[Entrevista] Idalina Ribeiro: “Não vivo de memórias. A minha vida é projetar o futuro”

ATUALIDADE

Idalina Ribeiro é a face da CRG Confeção, empresa que fez este ano 25 anos de atividade e inaugurou na passada semana novas instalações que vão permitir enfrentar o futuro do setor têxtil e assegurar um melhor presente para os mais de cem trabalhadores.

Na véspera de dar um passo definitivo em frente, Idalina Ribeiro olha para o seu passado com naturalidade. Tem uma visão mais holística do seu percurso. O que começou por ser uma coincidência é tido agora como prosaico.

Diz-se da geração “que não escolheu a profissão” e desde jovem segue neste meio onde se considera “realizada”. Aos 15 anos já era chefe de linha e daí em diante não olhou para trás. A passagem por várias empresas do ramo, algumas de grande envergadura conduziram-na em 1997 à oportunidade de ficar com uma empresa com apenas duas funcionárias. Um “retrocesso” que permitiu a Idalina Ribeiro aventurar-se em algo seu, percebendo rapidamente que aquele era o seu lugar.

Vinte e cinco anos volvidos, acompanhada dos sócios José Manuel Mendes Coutinho, Alberto Gonçalves, “a melhor dupla de três”, atira-se novamente em direção ao futuro, como a mesma naturalidade de 1997.

Estamos numa região onde a palavra confeção é ubíqua. Como é que naqueles primeiros anos se consegue diferenciar?

Eu não sei se é assim diferente. Quero acreditar que sim. Percebi ao longo dos anos que tenho espírito de liderança. Sei que sou uma pessoa competitiva, muito responsável e uma pessoa de compromissos. Para mim, as coisas são sempre muito sérias. Qualquer coisa que assuma, faço questão de a honrar. E tudo à minha volta tem de acontecer. Isso talvez seja a diferença.

A realidade do têxtil em 97 era radicalmente diferente daquela que vivemos em 2022. Como é que se conseguiu navegar todas estas mudanças, mantendo uma estrutura?

Chamo a isso empreendedorismo. Inevitavelmente sou empreendedora e nunca me satisfiz. Mesmo que quisesse ter pouquinha gente e acomodar-me naquele cantinho, não seria capaz. Estou sempre a pensar que sou capaz de mais e, portanto, vou fazer mais.

É verdade que o mercado mudou muito, mas há uma coisa que me distinguiu. Nunca tive medo de investir. Nunca trabalhei apenas pelo dinheiro, mas pela realização de projetos a que me propunha, numa onda de desafio.

É uma questão de adaptação aos desafios do momento.

Eu sabia qual era o meu caminho e as minhas necessidades. Quando tinha gente próxima a dizer-me que era louca, a minha resposta era simples: quanto mais pessoas tenho a trabalhar para mim, melhor me sinto, mesmo sabendo da responsabilidade e do perigo.

Tive um período muito mau, quando o grupo Inditex começou a desaparecer daqui, porque uma empresa desta dimensão precisa de um grupo forte para ter sempre trabalho. Mas nesse momento percebi que o grupo Inditex seria a minha ruína.

Aliás, como aconteceu a uma grande parte do tecido aqui na região.

E partir desse momento, comecei a apostar no caminho contrário. Ninguém que trabalha comigo sabe o quão difícil foi manter estes postos de trabalho. Só dei o salto e melhorei quando conseguimos, passo a passo, desmembrar-me do grupo Inditex. Deixar essa dependência, permitiu-nos começar a trabalhar na vertical e salvou-nos o negócio.

“Nunca me satisfiz. Mesmo que quisesse acomodar-me naquele cantinho, não seria capaz. Chamo a isso empreendedorismo”

O que mudou no tipo de trabalho que faz quando deixa o grupo Inditex?

Mudou tudo. Tudo passou a ser responsabilidade nossa. Mantemo-nos mais autónomos, fazemos a gestão de tudo desde compra de acessórios a malhas. Mas também nos dá outra forma satisfação no final do processo. Não é só uma questão financeira. Como agora fazemos tudo, qualquer cliente que nos apareça nós desenvolvemos tudo de raiz. A subcontratação é muito mais redutora. Assim é mais desafiante e mais gratificante a todos os níveis.

Como é que descreve o estado atual da empresa na véspera da mudança para este novo espaço?

Preocupante. Não foi só a pandemia, onde foi muito difícil gerir pessoas. A guerra na Ucrânia neste momento é ainda mais sério porque os efeitos são muito imediatos, ainda para mais de seguida, sem espaço para respirar. Não estou preocupada com o passo que estamos a dar, porque foi avaliado e ponderado, mas há situações externas que nos influenciam muito. Estamos muito dependentes de matérias primas e cadeias de distribuição. Talvez não seja a melhor altura para fazer um investimento destes, mas temos 110 trabalhadores que vão passar para a nova unidade e ninguém disse que não. O que é ótimo. Estou muito feliz.

Depois de fazer a mudança e de tudo voltar à normalidade, que perspetivas é que esta nova unidade lhe pode trazer?

Eu só me tornei mais competitiva quando em 2014 fiz uma parceria com os meus atuais sócios José Manuel Mendes Coutinho e Alberto Gonçalves. Tinha atingido o limite humanamente possível para mim, sozinha. Agora, costumo dizer que somos “a melhor dupla de três”, porque encaixamos perfeitamente, cada um na sua área específica de conhecimento. Foi o passaporte para o sucesso.

Este passo que damos agora é a continuação desse processo, até porque temos necessidades maiores de espaço em armazém e um desafio que ainda é um pequeno segredo e estamos a desenvolver.

Olhando em panorama geral, que desafios é que observa para o futuro da têxtil?

O maior desafio é conseguirmos pessoas para formar uma equipa coesa nesta indústria que quase ninguém que. Não tenho medo do trabalho, não tenho medo do futuro. Vai sempre haver mercado, seja mais, seja menos. O maior desafio é mesmo conseguirmos pessoas que encaixem e estejam connosco. Não é verdade que quem não sabe fazer mais nada, vai para uma confeção. Precisamos de gente capacitada, porque cada vez mais temos tecnologia. Não é simplesmente cortar e coser.

O que reserva o futuro para a sua empresa?

Não trabalho por ganância. Nasci empreendedora e sinto que é uma obrigação minha, enquanto cá estiver, fazer o melhor possível. Tenho algum receio do futuro, porque Portugal não consegue competir com Marrocos, China ou Turquia. Eu continuo a acreditar porque se não acreditasse, não dava este passo. Mas tenho a certeza que será complicado e muita gente irá fracassar. Espero não ser uma delas.

Uma coisa é certa, se fracassar não será por falta de empenho da minha parte e tanto acontece nas novas instalações como nas antigas. Nunca irei ter remorsos. Acredito nos clientes que temos e se conseguir manter a fidelização, eu e a minha equipa temos futuro. Nunca pensei ter aquilo que temos hoje. Passei por algumas dificuldades, algumas insolvências e sobrevivi. Uma coisa que me orgulho muito é que a minha empresa ao fim de 25 anos tem o mesmo número de contribuinte desde o primeiro dia. Olho para trás com orgulho e sobretudo gratidão, mas não vivo de memórias. A minha vida é projetar o futuro.

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