No âmbito do 35º aniversário, o Entre Margens reflete sobre o papel do jornalismo e a sua posição na comunidade. Não basta relatar o que acontece, o valor está nas histórias da comunidade que de outra forma não se contariam. Essa deve ser a missão.
O jornalismo está em crise. Uma afirmação que podia ser proferida em qualquer momento das últimas três décadas e seria perfeitamente atual. Contudo, hoje, pleno 2022, pós-pandemia de covid-19, envolvidos por um conflito militar em território europeu de efeitos imprevisíveis, o cerne da afirmação parece mais válido do que nunca.
O jornalismo está em crise também, mas não só, por culpa própria. No entanto, desta feita, poderá não ter na vitalidade do serviço que presta uma tábua de salvação. As notícias e a informação deixaram de ter valor comercial. As televisões vendem publicidade num espaço que para a maioria dos espectadores é percetivelmente gratuito, uma vez que não se paga nada por ligar a televisão. Um efeito transporto exponencialmente para internet. Se não posso ler tudo o que quiser, sem pagar, por que razão haveriam as pessoas de continuar a pagar pelas páginas impressas de um jornal todos os dias de manhã? E as pessoas, aos poucos, foram deixando de o fazer.
A responsabilidade do jornalismo foi ter aberto a caixa de pandora. Deixaram-se levar por promessas de audiências e leitores infindáveis e quando se aperceberam onde esse caminho conduzia, era tarde demais. Era impossível voltar a colocar o génio dentro da lamparina.
O ambiente mediático que se vive hoje é o resultado de décadas de gratuitidade aparente. O click foi moeda sem valor associado e a sua procura incessante, esvaziou os órgãos de comunicação, seja de conteúdo, com a trivialização do conceito de informação, seja de recursos humanos, esvaziando as redações dos seus recursos mais importantes, os jornalistas.
Se numa panorâmica geral estes efeitos foram devastadores, para o jornalismo regional e os órgãos de comunicação de índole local, sempre numa posição frágil, sobretudo num Portugal sem grande tradição nesta matéria, a doença foi quase fatal ou pelo menos paralisante.
Salvo raras exceções, o jornalismo regional é agora uma atividade quase em nome próprio, sem recursos para fazer mais do que o mínimo denominador comum, destruindo aquela que é a principal característica e mais-valia: a proximidade e a presença no dia a dia da comunidade.
A realidade conta-se de notas de imprensa institucionais, com notícias cozinhadas em gabinetes de comunicação das instituições com recursos para os manter injetadas diretamente nas páginas praticamente sem filtro, porque, seja por falta de mão de obra, seja por falta de motivação, é a única maneira de as preencher.
Ora, se a imprensa nacional está dependente dos interesses económicos de investidores e empresários que pagam os salários, a dependência dos regionais é de caráter mais institucional, ficando à mercê da agenda mediática/política de quem dirige os seus destinos.
Regressar e valorizar a comunidade
A crise pandémica colocou tudo a nu. A sociedade ficou exposta e as suas fraturas à vista de todos. E a imprensa foi um dos ramos que quebrou com mais facilidade. Num texto publicado em maio de 2020, em pleno confinamento, Marta Mimoso cita a Associação Portuguesa de Imprensa onde se refere que cerca de três dezenas de publicações regionais suspenderam atividade, das quais metade correu mesmo o risco de encerrar. Na mesma linha, o Sindicato dos Jornalistas diz ter recebido “relatos angustiantes” da situação na imprensa regional.
Aliás, o Sindicato coloca mesmo a questão numa vertente social. “Para além do problema do desemprego (estão em causa centenas de postos de trabalho), trata-se também de um problema social, porque a maioria dos assinantes da imprensa local e regional cabe na população envelhecida de cada região, que assim ficará ainda mais isolada da realidade que a circunda”.
Esse é o ponto chave para o futuro do jornalismo regional e que a pandemia evidenciou. A ideia de proximidade e comunidade. Quando o tecido social deixou de funcionar era o jornal que chegava à caixa de correio a única forma de muitas pessoas conseguirem saber o que se passava em seu torno. Foi comovente perceber que, apesar das dificuldades em fazer sair um jornal, mesmo em formato reduzido, os assinantes sentiram a sua falta, prezando a sua chegada.
O que se pode então fazer para replicar este sentimento? A resposta é tudo menos simples. Um jornal para ter valor não pode simplesmente relatar o que acontece, muito menos numa era onde o que acontece só tem interesse durante a primeira hora de validade. O valor está naquilo que se pode acrescentar ao relato e que as redes sociais não tenham ainda acesso.
É um equilíbrio difícil de encontrar e que exige mais aos parcos recursos existentes. Qual é o espaço único onde me posso inserir? Qual é a minha audiência? Que posso eu trazer de novo para cima da mesa?
Preservar a memória e pensar o futuro
Numa terra como a Vila das Aves, o bairrismo e o sentimento de pertença fazem parte do ADN da comunidade, o que para um jornal como o Entre Margens, perfeitamente inserido na sociedade que o envolve, abre janelas de oportunidade para explorar ainda mais conceitos de identidade e comunidade. No entanto, apresenta também desafios que se podiam pensar inesperados.
Bairrismo exacerbado pode cair num círculo vicioso de fechamento ao exterior que um jornal com estas características deve combater. Ou seja, não pode ser exatamente o que uma pessoa específica pensa que deve ser, mas sim, ser a plataforma onde os desejos e as vontades da comunidade se possam refletir, abrindo-se também ao que está em seu redor.
No Entre Margens, a filosofia de trabalho tem passado por essa fuga aos vícios que atingem grande parte da imprensa, apostando em informação que tenta sempre extravasar os constrangimentos do quotidiano e da atualidade pura e dura. Temos sempre qualquer coisa de diferente para oferecer a quem abre as nossas páginas.
Prezamos a pluralidade de opiniões e a inclusão de todos. Fomos o único órgão de comunicação do concelho que antes das eleições autárquicas do outono passado realizou entrevistas de grande fôlego com todos os candidatos à câmara municipal e junta de freguesia de Vila das Aves. Todos. Apresentamos os programas políticos, discutimos ideias, colocamos os candidatos frente a frente com os nossos leitores. Quem nos leu ficou certamente mais informado relativamente ao que cada um levava às urnas.
Isto acontece quando se fala de política, como quando se fala de cultura ou preocupação pelo património presente no território. Orgulha-nos que este trabalho, que não é de agora, seja reconhecido pelo Ministério da Cultura com uma declaração de Interesse Cultural. Temos sido a voz do tecido associativo e das iniciativas arrojadas, sendo reconhecidos como tal. Contudo, temos perfeita noção que podemos fazer mais e ser mais interventivos no que diz respeito à comunidade.
O arquivo do Entre Margens contempla 35 anos de histórias contadas com folgo criativo e exigência profissional. É um bem precioso desta terra e das suas gentes, sobretudo quando comparada com vizinhos onde os periódicos não têm a mesma presença. Somos memória e queremos ser futuro, porque só assim o jornalismo pode fazer valer a sua força enquanto atividade de interesse público.
O negócio do jornal em papel há muito que deixou de ser negócio, mas para um jornal como o Entre Margens deve continuar a ser o suporte preferencial de trabalho. A bolha das redes sociais não passa disso mesmo, no sentido em que é fechada em si mesma e é o mais frágil dos suportes comunicacionais. É uma ferramenta. E deve ser apenas isso.
Nas redes não há hierarquia. Tudo compete com tudo ao mesmo nível e invariavelmente saímos todos a perder, sendo o perfeito inverso daquilo que deve ser o trabalho jornalístico. Num jornal há secções. Há hierarquias. Há estrutura. Sem essa organização ficamos perdidos numa maré de conteúdo sem nexo.
Se queremos servir os nossos leitores da melhor forma possível, é no papel que nos podem encontrar. Um espaço nobre onde as notícias podem fazer o seu papel com toda a integridade. Isto não significa que sejamos imunes a erros ou omissões, mas quando acontece cá estamos para o admitir e corrigir. Não nos escondemos atrás de um qualquer perfil. Estamos nas bancas e entramos diretamente na casa das pessoas através das suas caixas de correio.
Numa democracia é assim que devemos funcionar. Aos 35 anos, o Entre Margens continuará a cumprir o seu desígnio, de portas abertas e com as suas páginas à sua disposição.