Ouro, Petróleo e Lítio

Napoleão Ribeiro

Trazer a mensagem natalícia para a atualidade é uma prática mais que repetida. A quadra do Natal é tão marcante para o mundo ocidental que é inevitável refletir sobre o assunto. De certa forma, festejar o nascimento de uma criança e celebrar a família, é uma marca indelével nas culturas que se cristianizaram. Independentemente de sermos crentes, praticantes e não praticantes, de pertencermos a outras religiões fora da esfera crística, de sermos agnósticos ou ateus, a quadra marca o quotidiano de cada final de ano. Quanto mais não seja pelos feriados do calendário ou pelo consumismo, a “religião” que mais fiéis converte para os centros comerciais no solstício de dezembro.

A religiosidade e o conjunto de ritos e formalidades associados a este ciclo do inverno, outrora, mais do que hoje, marcavam profundamente os modos de pensar e de estar das populações. Do Advento aos Reis, tudo se celebrava em modos de uma comunhão igualitária, caseira e comunitária, religiosa e profanamente: o presépio, as novenas ao Menino, as antífonas do Ó, a consoada, a missa do galo, as festas do Menino, os autos de Natal, os autos dos reis magos, o cantar os reis, o cantar as janeiras, os caretos de Santo Estevão, entre inúmeros costumes e festividades.

Contudo, ao longo dos últimos anos surgiu um fenómeno novo: o da mercantilização das festas e das tradições. Assomado ao folclorismo encenado, de forma gradual, este património passou a ser visto como um produto.

Napoleão Ribeiro

Como é óbvio, são consideradas “coisas” locais, arcaizantes, pouco urbanas, características das aldeias, que se vão mantendo aqui e ali, associadas à ruralidade antiga. Muitas vezes, numa só geração, deixaram de ser vividas de alma e coração pelas comunidades e passaram a ser uma encenação folclórica. Em várias situações, os seus intervenientes estão historicamente desinformados dado que fazem representações de costumes que nunca conheceram na sua forma substancial. Tendo em conta os discursos de apoio ao associativismo, ao desenvolvimento local e ao património cultural, alguns destes costumes, principalmente os profanos, passaram a ser também uma “bandeira” identitária, impulsionada, essencialmente, pelas autarquias.

Máscara de Careto. Edrosa – Vinhais. Imagem retirada de www.matrizpix.dgpc.pt

Contudo, ao longo dos últimos anos surgiu um fenómeno novo: o da mercantilização das festas e das tradições. Assomado ao folclorismo encenado, de forma gradual, este património passou a ser visto como um produto. Se observarmos, por exemplo, os programas de domingo à tarde nos canais genéricos, percebemos tudo isto. Aliás, é possível ir a um dos centros comerciais mais concorridos do Norte e assistir, a título de exemplo, a uma representação de caretos transmontanos. De facto, nestes últimos vinte anos, tudo mudou com rapidez. Nos meios de comunicação social, na publicidade e nas representações culturais, o domínio da aculturação anglo-saxónica americana chegou em força. Certamente que, se hoje os reis magos tivessem que adorar um menino-divindade, levariam para lhe oferecer ouro, petróleo e lítio, os bens mais preciosos do panorama atual. Os pastores, esses, mais simples, apareceriam à lapinha de Belém com uns sacos da Zara ou do Continente.

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