Antes de mais, olhemos para a realidade como ela é. Sob o capitalismo, a relação laboral é, na sua essência, expressão de um encontro antagónico e desigual.De um lado, a maioria (trabalhadores), que nada possui além da capacidade de trabalho, é obrigada a vendê-la para suprir as suas privações. Do outro, uma minoria (os capitalistas), que detém o capital, vive do lucro extraído do trabalho da maioria. Não é uma relação livre, entre iguais, mas de dependência. Daqui nasce uma disputa permanente pela distribuição da riqueza produzida pelo trabalho, assente na oposição entre os fins do patronato – a valorização máxima da mais-valia (lucro), pagando menos por mais trabalho – e os interesses dos trabalhadores – que ambicionam melhores salários e tempo para viver.
Esta disputa projeta-se no terreno da legislação laboral. De um lado, a concepção histórica que deu origem ao «direito do trabalho» enquanto sistema de compensação desta assimetria, protegendo a parte mais fraca com um conjunto de garantias que visam limitar a voracidade do capital – a estabilidade no emprego, a limitação do horário de trabalho, a proteção face ao despedimento. Do outro, quem acha que a empresa é o reino do patrão, onde manda e desmanda, devendo tais proteções ser reduzidas, em nome de uma “liberdade de iniciativa privada” que não é senão a liberdade do mais forte se sobrepor ao mais fraco.
Como a última visão não pode ser exposta cruamente, pois seria difícil convencer-nos a aceitá-la, é ocultada por palavras que soam a progresso, mas sabem a retrocesso, como sucede com a discussão atual do pacote laboral. Fala-se da necessidade imperiosa de “flexibilizar” uma suposta “rigidez” da legislação, apelando a uma “modernização” perante os desafios da inteligência artificial (IA). Esta narrativa, contudo, não é nova. Constitui uma cassete que vem sendo reproduzida ciclicamente nos últimos vinte anos, a cada proposta de alteração drástica da legislação em prejuízo dos trabalhadores.
Ora, «flexibilidade» é o código para: o patrão manda, tu obedeces, e o teu tempo deixa de ser teu. E o que chamam de «rigidez»? São precisamente essas regras que ainda te defendem de ser despedido por um capricho, que limitam a jornada de trabalho, que garantem um mínimo de previsibilidade numa vida já tão incerta. Reduzir a «rigidez» significa, em termos concretos, deixar o trabalhador mais exposto, mais vulnerável perante o poder arbitrário do patrão. Aqui reside outra grande contradição: para o negócio, exigem estabilidade e segurança jurídica. Para o trabalhador, pregam a adaptação permanente à insegurança. Querem que o patrão possa planear o seu negócio com tranquilidade, mas que o trabalhador viva na angústia de não saber como pagar uma casa ou sustentar os seus filhos.
E depois, o maior embuste: falam em «modernização» por causa da «IA». Uma modernização que, reparem, em nada regula os algoritmos que vigiam cada movimento do trabalhador. Que em nada reduz a jornada de trabalho, que bem poderia ser reduzida com o volume de desenvolvimento tecnológico. Não. A «IA» serve aqui de cortina de fumo para tornar tudo mais precário: alargar a duração dos contratos a termo, facilitar despedimentos, e fazer de cada um de nós um substituto potencial à espera na fila.
É isto que está em jogo no pacote laboral promovido pelo Governo PSD/CDS e apoiado por Chega e IL. Querem-te amarrado a contratos precários sucessivos. Querem tornar o despedimento tão fácil que a mera ideia de reivindicar melhores condições se torne um risco. Querem enfraquecer os sindicatos e limitar o direito à greve, para que seja um murmúrio inofensivo, e não o grito que paralisa o país e mostra quem realmente o faz andar. Tudo para sugar uma parte ainda maior da riqueza que os trabalhadores criam.
Isto é um cerco. E perante um cerco, há duas saídas: render-se ou lutar. No dia 11 de Dezembro, a greve geral é a nossa resposta coletiva. É o momento de mostrar que não somos peças descartáveis, que a dignidade no trabalho é imprescindível ao desenvolvimento do país. Junta-te. Para que não nos dobrem, temos de juntar os nossos braços.
