[Crónica] Greve geral contra a flexibilização das grilhetas

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

Numa economia de mercado, a força de trabalho é vendida tal como qualquer outra mercadoria, seja um quilo de maçãs ou um tapete, estando o seu preço sujeito às mesmas leis da oferta e da procura.

A força de trabalho, pela sua natureza, difere, no entanto, das demais mercadorias, o que a torna, segundo o economista Karl Polanyi, numa “mercadoria fictícia”. Um vendedor de fruta é separável das suas maçãs, de uma forma que um trabalhador não o é relativamente à força de trabalho que possui. Consequentemente, o primeiro torna-se independente do cliente que lhe compra as maçãs, assim que a transação termina, ao passo que o trabalhador, pelo contrário, não se “solta” do seu empregador no momento em que este lhe compra a sua força de trabalho, firmado num contrato, em troca de um salário.

Assim, vender a força de trabalho significa submeter as nossas ações, por determinado tempo (como 8 horas diárias), à autoridade de um patrão.

Esta característica desafia, por si só, toda a tentativa de associar “flexibilização laboral” à liberdade.
Querer ver o mercado de trabalho como a interação cruzada de indivíduos igualmente livres, quer sejam empregadores ou trabalhadores, que decidem comprar ou vender trabalho uns aos outros por meio de contratos voluntários, é, no mínimo, um retrato ingénuo (quando não interesseiro).

Há, por defeito, uma assimetria de poder entre trabalhadores e empregadores, que torna o “ideal” da voluntariedade pura na transação uma ilusão. Por um lado, como bem salientava Marx, mas também muitos outros autores de outras tradições (nomeadamente sociais-democratas clássicos e até liberais, no sentido político), o trabalhador vê-se forçado a vender a sua força de trabalho, em troca de um salário, por não ter outra alternativa senão a miséria e a privação. Isso faz com que possa aceitar condições de trabalho indesejáveis, mas inevitáveis (na falta de outros recursos). Por outro lado, como referi acima, isso significa ter de se sujeitar, durante uma parte substancial do seu dia, às ordens de alguém.

Posto isto, tornar o mercado de trabalho mais livre, significa exatamente o oposto daquilo que entendem os “liberais”. Os trabalhadores serão mais livres quanto menor for a assimetria de poder em relação aos seus empregadores (ao capital). E essa assimetria é combatida, não pela “flexibilidade”, que, pelo contrário, a agudiza, mas por aquilo que, equivocadamente, estes chamam de “rigidezes”.

Ou seja, por proteção social. Tudo aquilo que os trabalhadores foram conquistando ao longo da História, que fez com que algumas grilhetas se suavizassem: sindicados fortes; contratação coletiva; jornada de 8 horas; salário mínimo; férias pagas; proteção contratual; subsídio de desemprego; segurança no trabalho; direito à formação. Tudo isto suplementado por serviços públicos fortes, em termos de saúde, educação e transportes.

No sentido contrário a tudo isto, o governo propõe uma reforma laboral completamente radical (a mais radical da história da democracia portuguesa), sem que esta constasse no seu programa eleitoral. Isto num momento em que há crescimento económico e emprego pleno.

A ser implementada, representa um retrocesso que mais não faz do que exacerbar a assimetria existente nas relações laborais e apertar as grilhetas dos trabalhadores para além do tolerável.
Dia 11 de dezembro, há greve geral!

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