[Crónica] Solverde na eira e chuva no nabal

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

Num país de influência latina o chefe do governo foi apanhado num flagrante conflito de interesses. Não se demitiu, não assumiu o erro, não esclareceu. Aos jornalistas negou-se a responder, e acusou de agenda eleitoralista os partidos que defendem que o caso justificaria uma comissão de inquérito, de modo que o chefe do governo seja devidamente escrutinado pelo parlamento.

Ao invés, propôs-se a convocar uma espécie de plebiscito à sua governação. Está disposto a recuar, mas só se o processo de escrutínio não for avante.

Não, caros leitores, não estou a descrever a Venezuela, nem Maduro, mas sim Portugal e Montenegro (corarão de vergonha as figuras da direita que “atiram” a Venezuela à cara da esquerda?).

Um país em que um paragrafo que não encontrou na realidade substância precipitou o pedido de demissão de um primeiro-ministro, António Costa, e a consequente queda de um governo com maioria absoluta, mas no qual um outro PM, Luís Montenegro, face um flagrante de interesses, que suscita muitas questões, se vê legitimado a continuar, sem dar azo a qualquer forma de escrutínio.

Não vou entrar em pormenores sobre o caso, que já foram devidamente aflorados na imprensa. Três conclusões resumem tudo. Primeira, a razão existencial da Spinumviva é Luís Montenegro. Segunda, é Luís Montenegro ser Luís Montenegro que explica a lista de clientes, e o montante dos pagamentos pelos serviços solicitados, à Spinumviva. Terceira, nestas circunstâncias há o risco de o nosso voto diminuir de peso, em comparação com o de outros interesses económicos, na capacidade de influenciar a governação. E não é a eventualidade de se ganhar de novo uma eleição que faz com que estes factos se alterem.

Os contrafactuais em política valem o que valem, mas não resisto a imaginar o que seria caso algo semelhante acontece com um PM do PS. O que diriam as figuras do PSD? Quem não falaria do suposto oportunismo socialista que se vê como dono natural do Estado, fazendo dele seu uso?

A este respeito foram criativos.

Façamos a pergunta da seguinte forma: O caso, pela sua natureza, não justifica escrutínio? Não é legítimo que o principal partido da oposição, que permitiu que o último OE passasse, o exija?

Não no universo kafkiano que LM e o PSD querem que vivamos. Neste, a “culpa é do PS” ganha nova força. Nas suas palavras, tudo não passa de uma perseguição política para retirar dividendos eleitorais.

Felizmente, a bem da verdade e da dignidade das nossas instituições, não houve, que me lembre, quem fizesse uma acusação semelhante ao PSD aquando da queda do governo de AC, motivada por um motivo espúrio.

Obviamente demita-se!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

7 − 4 =