Os escritores Alberto Santos e Conchi de Sousa Mateos, protagonistas deste encontro promovido pela Cooperativa de Entre os Aves, estiveram com alunos do ensino secundário, no dia 20 de maio, onde se levantaram questões pertinentes, a pretexto das respetivas obras em destaque: “Amantes de Buenos Aires” e “Meiga, en tiempo de dalias”.
Alberto da Silva Santos é escritor, advogado, conferencista e político, apaixonado por História, e afirma-se essencialmente na ficção histórica criada a partir de acontecimentos reais. Os seus principais romances são “A Escrava de Córdova” (2008), “A Profecia de Istambul” (2010), “O Segredo de Compostela” (2013), “Para lá de Bagdad” (2016) e, de 2019, “Amantes de Buenos Aires”.
Este último romance inspira-se na história real de Elisa e Marcela, duas mulheres apaixonadas que se casaram no altar, um século antes da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
E como é que estas histórias chegam aos escritores? O autor responde a esta pergunta dizendo “Estas coisas acontecem da maneira mais improvável. Foi uma conversa que eu tive com um amigo que me estava a contar que um outro amigo tinha descoberto uns papéis antigos, nomeadamente uns jornais, que datam de 1901-1902, onde constava esta história.”. O autor ficou com isto na cabeça, foi investigar mais e sentiu que a deveria contar
Sem nunca desvalorizar as novas plataformas do mundo digital, Alberto Santos destacou a mais-valia da leitura e dos livros na nossa vida, invocando a regra dos três “E” (Entreter, Ensinar e Emocionar). Entreter, porque um livro é um excelente instrumento para nos ajudar a passar o tempo. Ensinar, porque as obras nos ajudam a aprender diversas coisas, entre elas conhecer melhor a nossa própria língua e exprimir-nos melhor. A língua portuguesa é, nas palavras deste autor, “uma ferramenta que eu considero das mais importantes que nós temos na vida”. Ainda por cima é grátis! O autor afirma que os livros têm uma vantagem sobre os meios de comunicação e entretenimento, pois permitem-nos desenvolver um pensamento crítico mais autónomo e, dessa forma, ter liberdade de expressão e decisão. Quanto ao último “E”, o autor refere que as grandes histórias são aquelas que nos tocam por dentro e fortemente retratam o que é a condição humana, desde as coisas mais extraordinárias às mais desagradáveis, considerando que “o que permite um livro atingir esse objetivo é quando nós [leitores] nos revêmos nas personagens e que, mesmo após terminar a obra, estas continuam a falar connosco e a existir na nossa imaginação.
E porque é que a História é importante? Bem, o escritor responde a essa questão dizendo que esta “ajuda-nos a perceber como é que a nossa civilização evoluiu e a termos a consciência intergeracional, para que as próximas gerações vivam num mundo cada vez mais tolerante e desenvolvido”.
Seguiu-se um tempo de questões, colocadas pelo público.
Quando está a escrever um livro, não tem medo que possa estar a fazer alguma coisa que outra pessoa já tenha feito? “Sim, é possível que isso possa de facto acontecer, pois na verdade já tudo está inventado. Portanto, o que podemos fazer é contar as histórias de uma perspetiva diferente. O modo como se conta é que faz a diferença. No meu caso, eu tento contar histórias fazendo de protagonistas aqueles que não o foram nos livros de História”. E acrescenta uma pequena curiosidade sobre uma realizadora espanhola que estava a pensar contar a mesma narrativa através do cinema. “Nós nunca falamos e, passados quase 120 anos desde o acontecimento histórico, duas pessoas que vivem distantes pensaram na mesma coisa”. Tal está supostamente relacionado com a teoria filosófica do “subconsciente coletivo”.
Ao retratar uma relação feminina, isto constituiu um entrave na reprodução do discurso entre as duas protagonistas?
“É um desafio. No caso da mentalidade, temos de encontrar um cruzamento entre aquilo que eventualmente era a mentalidade da época e o leitor da atualidade, que tem de ser minimamente concebido. Já a nível de género, apesar da dificuldade, no fundo quem escreve não pode deixar de ser a pessoa que é, enquanto género e toda a sua base de aprendizados ao longo da vida”.
Porquê a escolha de “Cem anos de solidão” como obra de eleição da personagem Raquel?
“Ninguém é um bom escritor se não ler outros livros”. “Amantes de Buenos Aires” contém uma intertextualidade com a obra de Gabriel García Marquez, que conta a história de uma família que tinha uma maldição e percorre todo o arco de cem anos para se perceber que maldição era essa. Por sua vez, a história de Alberto Santos partiu do pressuposto que existiria uma descendente que desconhecia a herança psicológica da sua família e vai em busca desse passado perfazendo também cerca de cem anos, cem anos de desconhecimento.
Como é possível ter havido descendência visto que se tratava da união entre duas mulheres?
Mas, o escritor nada revela a esse respeito, pois segundo ele “É o segredo do livro. Uma das técnicas que os autores utilizam para levar os leitores a começar a ler é deixando essas pistas e ideias improváveis como esta, para quererem ler até ao fim” e finalizou com “Foi essa a pergunta que também fiz a mim próprio e que me levou a escrever o livro”. Ou seja, só lendo o livro para descobrir!
Muitas curiosidades foram sendo reveladas, ao longo desta conversa, anunciando também o próximo romance cuja apresentação está para breve “A Senhora das Índias”. Mais um romance histórico, certamente.
Conchi de Sousa Mateos…
nasceu em Bembibre, León. Viveu um curto período em Portugal, quando era criança, tendo voltado a viver em Espanha, em Matarrosa del Sil, terra natal da sua mãe. Atualmente, reside em A Coruña.
Depois de fazer parte da antologia El club de los relatores, com o seu relato «Ríos de silencio y sal», começou a publicar os romances Los sauces de Arén, Frente al altar del miedo y Meiga, en tiempo de dalias, onde estabelece uma ligação especial com as suas anteriores obras.
A mãe de Conchi era costureira, o que promoveu o contacto com mulheres de diferentes idades, com diferentes sonhos, problemas e aspirações que partilhavam naturalmente quando visitavam a sua casa, fosse para trabalhar como aprendizes ou como clientes. O seu pai era mineiro e Conchi cresceu, juntamente com os seus dois irmãos, num ambiente operário, de trabalho duro e reivindicações frequentes.
Sendo já assumida a influência destas mulheres de “vidas sencillas” na obra estudada pelos alunos de espanhol, foi colocada a pergunta em relação a Adrien, um homem forte, que lutou, de forma muito inteligente e ativa, pelos direitos dos trabalhadores. Terá esta personagem nascido neste contexto de reivindicação? A escritora preferiu não partilhar a história que inspirou a criação da personagem, mas deixou antever essa influência do ambiente que viveu durante a sua juventude.
Face à curiosidade de um possível bloqueio de escritor por parte da nossa convidada, Conchi confessou que não experienciou essa sensação, que a escrita e a trama lhe saem de forma muito fluida e prazerosa.
Conchi de Sousa Mateos partilhou ainda técnicas de escrita que favorecem o envolvimento do leitor na trama. Falou-nos da importância de ir além da mera descrição e de ser capaz de, com a escrita, envolver os sentidos e provocar, com as palavras, diferentes emoções nos leitores.
A finalizar a sessão, e tendo em conta o interesse demonstrado pela obra lida e discutida, uma nova sugestão de leitura, “Frente al altar del miedo”, que nos irá ajudar a compreender ainda melhor “Meiga, en tiempos de dalias”.
Ficamos com a curiosidade e a vontade de usufruir de mais uma obra desta maravilhosa escritora. ¡Muchas gracias, Conchi!
Maria Dinis e Joana Simões