[Reportagem] Um clube para evitar a solidão da leitura e inspirar a partilha

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Clube de Leitura de Santo Tirso celebra um ano de existência “independente” e “informal” onde é a paixão pelos livros que forma a essência de comunidade. Carla Medeiros e Ana Rute Marcelino são as mentoras e promotoras dos encontros mensais.

No centro da cidade praticamente não se ouvia uma mosca. O fim de tarde chuvoso de inverno não dava azo a grandes encontros ao ar livre. É tempo de aconchego e conforto. O cenário ideal para puxar de um bom livro.

Há um ano que no Thigaz, café localizado na praça 25 de Abril, um grupo de pessoas se junta mensalmente para, partindo da paixão pelos livros, estimular uma boa conversa e o convívio salutar. Carla Medeiros e Ana Rute Marcelino são as mentoras deste Clube de Leitura que começou de forma despretensiosa, precisamente a partir de uma mesa de café.

“Íamos ter um jantar recreativo e apercebemo-nos que existia um grupo de mulheres que gostava de ler”, apontou Carla Medeiros, em conversa do Entre Margens, no final da sessão que celebrou o primeiro aniversário do clube. “Tenho a certeza que grande parte das pessoas que lê se sente sozinha nas leituras que faz, daí que tenhamos pensado em criar este clube como momento de partilha e incentivo à leitura”.

A palavra partilha será mesmo a chave para o sucesso da iniciativa e desde a sessão experimental, em janeiro de 2023, que tal ficou evidente. Entre os contactos de ambas, divulgaram a sessão inaugural propondo que cada um levasse consigo um excerto de um livro que “de alguma forma o tocasse”, para partilhanr com o grupo.

“Acabou por ser logo uma sessão bastante forte”, sublinhou a mentora. “Não conhecíamos muitos dos participantes, mas desde logo começamos a olhar para toda a gente de outra forma através da partilha de alguns sentimentos associados às vivências. Foi muito bonito”.

Essa essência foi ficando, apesar das mudanças de fórmula que foram implementando ao longo dos meses. O que as promotoras do clube foram notando é que os participantes se dispunham a vir ao clube, um domingo por mês, para partilharem com o grupo, não só as suas leituras que foram fazendo, como o que sentiram no processo. Uma espécie de desabafo para o exterior que ajuda a processar o que fica das palavras lidas em página.

“As sessões em que há liberdade e onde as pessoas trazem aquilo que lhes interessa, acabaram por ser mais interessantes do que aquelas em que escolhemos o mesmo livro para todos”, revela Ana Rute Marcelino ao Entre Margens. “A ideia é que o clube seja independente e informal, aberto a todos aqueles que queiram participar numa sessão, sem obrigação de voltar”.

Em suma, acrescenta em tom jocoso, “não queremos aqui especialistas em literatura”.

Ana Rute Marcelino e Carla Medeiros, as dinamizadoras do Clube de Leitura de Santo Tirso

Abrir horizontes, descontraidamente

O sentimento de sucesso mede-se pelo empenho dos participantes, pelo entusiasmo que demonstram a cada sessão a falar do livro que trazem consigo e que rapidamente se espalha por todo o grupo que junta cerca de duas dezenas de pessoas todos os meses. A receita é simples: “quando alguém vem cá e fala entusiasticamente num livro, dá vontade de o ler”.

Completamente “surpreendidas” pela bola de neve em que se tornou em apenas um ano de atividade regular, a dupla de organizadoras recorda dois exemplos bem distintos para ilustrar a atividade do último ano.

Carla Medeiros recua até à sessão número dois, onde foi discutido “O Acontecimento”, romance da escritora francesa prémio Nobel da Literatura, Annie Ernaux. Um romance sobre o aborto que conduziu a uma sessão marcante, com um tema “duro” e “forte”.

Já Ana Rute Marcelino lembra a sessão dedicada a viagens que originou uma discussão muito mais leve e prosaica, demonstrando que a literatura não tem que ser algo demasiado pesado, pode manter o seu valor com algo bem mais leve e idílico.

Para além das sessões mensais realizadas no Thigaz, o clube de leitura de Santo Tirso começa a abrir as asas para abraçar outras iniciativas. O café que serve de sede do clube desde a sua génese, conta já com um acervo de livros que podem lidos no espaço ou mesmo levados para casa, de forma totalmente livre. Pretendem ainda dar continuidade às caminhadas literárias, depois da primeira experiência os ter levado pelo percurso entre Landim e a Casa de Camilo, conduzido por um guia vestido a rigor e pontuado com proclamações da obra do autor.

“Às vezes brinco com a Carla e digo-lhe que estamos a criar um monstro, mas nós não queremos que o monstro nos engula”, assevera Ana Rute Marcelino. “Queremos que isto continue a ser uma fonte de prazer. A única coisa mais séria que tiro daqui é sentir que de estamos a formar comunidade. Isso é algo muito gratificante”.

Na sessão de celebração do primeiro aniversário, o clube recebeu o autor António Assunção que apresentou o seu novo livro “O Pio do Mocho”, contando com o apontamento musical de Ana Isabel Fernandes.

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