Na última convenção do Chega, um dos militantes subiu ao púlpito e proferiu um “sou fascista”.
Convido o leitor ao exercício de tentar imaginar o que teria acontecido se algo semelhante ocorresse num congresso ou convenção de um dos outros partidos. É fácil de imaginar. Se um militante de base do PS ou do PSD proferisse semelhante frase, a reação começaria na sala. Seria expectável que os outros congressistas se insurgissem imediatamente. A temperatura da sala aumentaria, a ecos de indignação seriam audíveis. De seguida, a organização do evento teria uma tomada de posição. O líder do Partido procuraria demarcar-se da intervenção, e o incómodo seria visível. Por fim, haveria uma ação, por parte dos órgãos do partido, relativamente ao militante.
Nada disto aconteceu na convenção do Chega. Durante a intervenção, os outros militantes que o ouviam continuaram impávidos e serenos. Nenhum incómodo causou em André Ventura. Ninguém se demarcou.
O caso ilustra bem a diferença do Chega para os outros partidos, e a impossibilidade de o “normalizar”. Normalizar não é trazer o Chega para dentro das fronteiras da democracia, é aceitar que os valores da democracia caduquem ao transpor as fronteiras que a separam do extremismo. Por outras palavras, normalizar é transformar os democratas em extremistas, ou fazer destes seus cúmplices por inércia.
Ao contrário do que vi afirmado na comunicação social, o Chega não tem, à data de hoje, um discurso mais moderado do que o habitual (como bem mostrou Francisco Mendes da Silva). Entre muitas coisas, destaco que continuam a tentar passar a mensagem de que os imigrantes 1) vivem à conta dos outros; 2) Portugal vive um problema de segurança; 3) Esses problemas estão associados à imigração.
A afirmações são rotundamente falsas. Em primeiro lugar, os imigrantes, que comparativamente com outros países europeus não são muitos, dão um excedente de 1.600 milhões à segurança social. Ou seja, contribuem com muito mais do que o que recebem. Em segundo, Portugal não vive um problema de insegurança. Continua a ser um dos países mais seguros do mundo. O Chega explora o viés da disponibilidade. Por outras palavras, quando somos permanentes expostos a notícias sobre crimes tendemos a extrapolar a partir daí um padrão para toda a realidade. Pegamos num caso particular e generalizamos abusivamente. Trata-se de um erro de perceção, que todas as estatísticas contrariam. Em terceiro, não há nenhuma correlação, muito menos causalidade, entre aumento de insegurança e imigração. Nos últimos 15 anos a imigração tem aumentado, enquanto a insegurança vem diminuindo. Ademais, em Lisboa, zonas como o Martim Moniz, Arroios e o Intendente, que concentram significativas comunidades de imigrantes, são hoje incomparavelmente mais seguras do que há 15/20 anos. Vistos em tempo como locais problemáticos e de má fama, hoje são pacíficos e salutares (até estão na moda). Portanto, alguns vídeos que andam a circular nas redes sociais, têm, na intenção de quem os partilha, tanto de indecente como de estapafúrdio.
Infelizmente a mentira não tem perna curta e torna-se facilmente viral. Em termos de crise da Razão e dos mecanismos mediadores da informação, é fácil explorar as nossas vísceras e o pior que há dentro de cada um de nós.
É fundamental que os democratas, principalmente os da direita democrática, não cedam ao jogo.