[Editorial] A reforma das reformas e a esperança de vida

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

As notícias que ouvimos e vemos de França são reveladoras da enorme perturbação social que a lei do governo francês para alterar a idade da reforma está a causar. 

Para nós, portugueses, não parece ser motivo para tanta luta o passar de 62 para 64 anos a idade em que se atinge o direito a uma pensão de reforma. Já estamos acima, quando para eles se trata de começar a aplicar mova regra de forma gradual, aumentando três meses a cada ano que passa. Na verdade, nós por cá aceitamos pacificamente um limite os 66 anos mais alguns meses.

Mas, no final de contas (e é mesmo de contas que se trata), lá como cá, os problemas são idênticos. Por um lado, as pessoas têm tendência a viver uma vida mais longa, prologando-se por mais tempo o pagamento da pensão. Por outro, a baixa da natalidade compromete a substituição da população ativa, cujos descontos são indispensáveis para a sustentabilidade futura do sistema.

A prova de que é mesmo disto que se trata é o próprio nome da lei (“lei retificativa do financiamento da segurança social”) e o procedimento usado para fugir à votação na Assembleia Nacional complicou a questão, dando origem à apresentação de moções de censura que por pouco não provocaram a queda do governo.

Mas, existem alternativas? Que argumentam as oposições, quer de direita quer de esquerda, para contrariar a proposta sem prejudicar o objetivo final? Há propostas no sentido de aumentar as contribuições dos trabalhadores e de criar sobretaxas sobre os salários mais elevados. E sugere-se mais criação de emprego no setor público e redução do número de horas de trabalho semanais no setor privado para criar mais emprego (mais pessoas, mais contribuições…). E ainda, acabar com isenções ao pagamento de desconto. Mas nenhuma alternativa foi considerada e, apesar da aprovação conseguida pelo governo, as manifestações não param e fica a sensação de que a agitação está para durar.

Nos entretantos, surgiu nova crise bancária que destapou a suposta solidez dos bancos suíços e não deixará de ter implicações na gestão dos fundos de pensões. Na realidade, lá como cá, não se pode pensar que os descontos de uma vida de trabalho para garantir uma pensão de reforma possam estar guardados no cofre de uma instituição, para nos serem restituídos mais tarde. Isso seria o desastre absoluto. A gestão desses fundos passa pela sua aplicação em instituições financeiras e, por isso, o seu valor está sujeito às incertezas e flutuações desses mercados e o estado tem de garantir a sua gestão de forma eficiente mas, especialmente, prudente.

Parece justo que se ligue a idade de reforma com a esperança de vida, salvaguardando os casos de trabalhos de maior desgaste e as condições físicas e mentais de cada indivíduo.

O envelhecimento e a baixa natalidade, que se verificam no nosso país de forma ainda mais marcante do que nos parceiros europeus, vão condicionar fortemente a vida dos reformados. Aliás, já condicionam, e são prova disso as notícias recentes de lares, legais ou ilegais, onde as coisas não estão a correr bem.

A resolução dos problemas do sistema de acolhimento de idosos parece bem mais importante do que a discussão sobre uns tantos meses mais de adiamento da idade de passar à reforma. Não sei se será assim em França, mas, por cá, vamos depender muito mais do investimento público do que das modestas pensões de reforma da generalidade dos portugueses para termos um sistema eficiente de proteção da velhice.

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