Da euforia do Jamor à periclitante situação da administração da SAD. Armando Silva, presidente do Clube Desportivo das Aves há sete anos, com um novo mandato agora a iniciar-se, fala das alegrias indescritíveis dos sucessos desportivos e das preocupações que têm o apoquentado, a ele e aos sócios, relativamente à guerra interna pelo controlo da SAD. Afinal, o nome do CD Aves, “a menina dos olhos” de todos os avenses, nunca voou tão alto.
Passaram-se pouco mais de dois meses desde a conquista da Taça de Portugal e já tanta coisa aconteceu ao clube neste curto espaço de tempo. Já conseguiu colocar os pés na terra e olhar um pouco à sua volta?
Temos que estar todos muito satisfeitos. Foram dois atos históricos, a manutenção e a conquista da Taça de Portugal. Naqueles primeiros dias ainda não tínhamos bem a noção do que era ganhar uma competição destas. Mas, fundamentalmente, a manutenção era prioritária. Muitas das coisas que se têm passado são coisas normais. Só ao longo dos anos é que vamos criando as raízes para perceber o que está à nossa volta a este nível.
Logo no dia seguinte teve que descer à realidade com a questão da Liga Europa. Quando é que ficou a par deste processo?
A questão da liga europa é uma questão complexa. E aqui não há culpas de ninguém. Melhor, se há culpas, é de todos. Temos que ver a realidade das coisas. O Aves tinha chegado à 1ª Liga e o licenciamento para as competições europeias tem que ser feito em dezembro. Em dezembro estávamos mal no campeonato, tínhamos passado apenas três eliminatórias da taça e íamos jogar com o Rio Ave em janeiro. Portanto, penso que as pessoas mais acima de mim relevaram pouco a situação das competições europeias.
Mas entre chegar à final e ganhar para ir à Liga Europa vai uma grande diferença. Houve ali uma situação de impasse com a federação, foi-se falando com a FPF porque há um mecanismo para que os clubes mais pequenos poderiam fazer a sua inscrição, o que não era o caso do Aves, porque tínhamos que estar na segunda liga para isso acontecer. Existiu um pouco facilitismo, mas não se pode imputar responsabilidades a ninguém. Houve apenas essa falha de não se fazer logo essa inscrição em dezembro.
Chegaram a existir essas conversas com a federação a posteriori da eliminatória com o Rio Ave?
Essencialmente depois de passarmos o Caldas. Chegaram a haver essas conversas, mas já não havia hipótese. Pergunta-me se houve aqui uma certa neblina sobre isto, o que deu esperança aos sócios, mas isso é normal. Até nós tínhamos esperança que a FPF conseguisse dar a volta à situação, mas infelizmente não foi possível.
Considera que a situação tomou estas proporções porque ninguém soube explicar a situação claramente?
Talvez. Todos nós sabemos quão frágil é um balneário de futebol. Estávamos com a manutenção ainda por conquistar e a Taça ficou para segundo plano. Para salvaguardar o grupo, para salvaguardar o bom funcionamento do futebol profissional, decidiu-se não falar sobre o assunto. E muito bem, na minha opinião. Porque conseguimos a estabilidade do plantel e a manutenção, que era a prioridade.
Que papel tem o presidente do clube ainda hoje, mediante a existência da SAD?
O Aves-Clube é minoritário na SAD. No primeiro e segundo ano, o Aves-Clube teve muita influência, foi pedido pelos próprios administradores que participássemos nas decisões.
O ano passado, na primeira liga isso diminuiu um pouco. Acharam por bem tomar as decisões por si. Não quero dizer que fomos afastados, mas não tivemos tanta influência como tivemos naqueles primeiros dois anos. O presidente do clube tem que ter um papel ativo, apesar de sermos minoritários, porque o clube tem 87 anos e é a história disto tudo.
Recentemente disse que avaliava a gestão desportiva de Luiz Andrade de forma positiva, o mesmo não acontecendo com a gestão financeira. O que o leva a fazer esta distinção?
Estando dentro da SAD, sabia do orçamento que foi aprovado pelos administradores principais. A receita da televisão, que é significativa, mais o que a “Galaxy” colocaria para completar o orçamento. A gestão desportiva foi bem conseguida, porque acabamos por fazer um bom campeonato, apesar dos altos e baixos. Mas efetivamente o orçamento ultrapassou muito mais do que estava previsto. Houve algum descuido da parte de Luiz Andrade.
Refiro-me a esta ligação entre gestão financeira e desportiva também pela forma como o plantel foi gerido. Todo um plantel novo, três treinadores há aqui uma correlação direta.
O orçamento começou a não ser cumprido logo inicialmente. Vieram logo uma série de jogadores, com qualidade é certo, mas que ultrapassavam muito o orçamento previsto. A troca de treinadores já não entra tanto aqui, porque são decisões que se tomam para tentar salvar o rendimento desportivo.
Podemos afirmar então que os resultados foram positivos, mas o processo para lá chegar não foi o melhor.
Éramos uma equipa acabada de chegar à primeira divisão. Claro que os adeptos, vendo o plantel, e mesmo nós, sempre pensamos que íamos fazer uma época mais tranquila.
Em retrospetiva, pensa que devia ter tido um papel mais ativo?
O papel mais ativo é falar pessoalmente, porque em termos formais não podemos fazer mais nada. Íamos conversando e sempre acreditei nas pessoas quando me diziam que tinham soluções. O pior que podia acontecer era entrar em conflito institucional. É só olhar para o panorama do futebol para vermos casos desses. Sempre tentámos gerir isso internamente e de forma pacífica.
Como é que definiria a sua relação com o presidente Luiz Andrade?
Foi sempre uma relação boa. Institucionalmente normal entre o presidente de uma SAD, um administrador não executivo e um presidente do clube. Sempre nos demos bem.
Agora, há coisas que eu tenho que dizer até porque os sócios pedem explicações. Disse e digo, a gestão desportiva foi boa, houve alguma negligência na parte financeira.
Já depois das “férias desportivas” surgiram duas notícias incómodas para o clube e que deixaram os sócios preocupados: as buscas da PJ e as dívidas ao fisco e à segurança social. Está tranquilo relativamente a essas duas questões?
Em relação à judiciária, como sabem o assunto está em segredo de justiça. É uma investigação direcionada inteiramente para a SAD, porque questões de contratos ligados ao caso “e-toupeira”. Como presidente do clube e a pedido da pessoa da judiciária que estava a chefiar, acompanhei todas as buscas. Mas não está ninguém do clube relacionado com isso.
Em relação às dívidas ao fisco e à segurança social, neste momento estou tranquilo, mas na altura não estava. Há o pagamento que já foi feito e permitiu a inscrição da equipa na liga. Wei Zhao fez essa promessa quando tomou posse com presidente da SAD e está cumprida.
Estava efetivamente preocupado, mas o pagamento à segurança social foi garantido e com o fisco foi feito um acordo. Pagou-se muito dinheiro para se fazer um acordo o mais pequeno possível que acaba já no final do ano.
Depois, há a situação do afastamento do Luiz Carlos. Ele não afastou Luiz Carlos Andrade, o Luiz Carlos é que pediu a renúncia.
Essa era uma das minhas perguntas. Wei Zhao iria demitir Luiz Carlos Andrade da presidência da SAD?
Não sei. Só ele é que pode responder a isso. Desde março que notámos alguma crispação entre os dois, até que no fim de semana a seguir à final da taça, eu e o presidente adjunto, Paulo Martins, solicitamos uma reunião com eles.
As tais divergências que circulavam por aí eram verdadeiras. Nós tentámos sempre com diálogo fazer com que as coisas seguissem normalmente. Mas houve uma altura em que tivemos que nos sentar todos à mesa.
Nesse sábado mentemo-nos no carro e fomos reunir com eles no hotel Pestana em Cascais durante três horas. Eu, o Paulo Martins, Luís Duque, Wei Zhao e Luiz Carlos Andrade. Ali, cada um disse o que tinha a dizer, sendo que a conclusão a que se chegou foi que iam continuar juntos e mais tarde, em outubro ou novembro, decidiriam quem ficava.
A nossa surpresa, que me magoou, ocorreu na terça seguinte quando ele apresenta a carta de demissão formalmente. Liguei-lhe para tentar perceber, mas ele disse que a decisão estava tomada. Ou ficava Wei Zhao ou ficava ele. Contra o que tinha ficado acordado nessa reunião. Reunimos novamente mais tarde, já aqui, num restaurante em Santo Tirso onde ele reiterou que saía. E desde então nunca mais falei com ele.
Outra afirmação recente foi que “se o Aves descesse de divisão ficaria com um buraco nas mãos.” Essa questão ainda se colocará em 2019?
Um clube que esteja na primeira liga e que faça um orçamento razoável para a competição, se descer de divisão tem sempre imensos problemas. Aliás, uma das grandes lutas na liga é a chamada “almofada financeira” que já existe noutros países e aqui ainda não se conseguiu aprovar.
Qualquer clube que desça de divisão terá seguramente problemas financeiros porque estamos a falar de 3.5 milhões de direitos televisivos, para 800 mil euros com mais algum que a Liga dá, ronda os 1.2 milhões. Há uma série de alcavalas. Agora, pode ser um problema muito grande ou pode ser grande e resolúvel.
Está confiante com esta solução da SAD para os próximos ano?
Estou. O detentor da maioria das ações da SAD é a “Galaxy”, onde Wei Zhao detém 61%. Já o era, só nomeou Luiz Andrade para presidente da SAD. Depois destas circunstâncias entendeu que deveria ser ele a assumir o cargo. Está na sua legitimidade. É uma pessoa ligada ao futebol, que já trabalhou no futebol no Brasil durante quinze anos, estou confiante nesta solução.
Para os avenses que possam não conhecer o novo presidente da SAD, como é que o descreveria?
É uma pessoa que gosta muito de futebol, que percebe de futebol e que tem gosto em ter um clube como o Aves para gerir. Não me gera desconfiança nenhuma. Temos que ser realistas a SAD é compra e venda de jogadores, existem para ganhar dinheiro. E ele não foge à regra. Mas é uma pessoa muito reservada, uma pessoa que não gosta de aparecer.
Pela primeira vez o clube conseguiu a manutenção na primeira liga. Como é que antecipa esta nova temporada, tendo em conta essa contenção a nível financeiro?
Sim, sem dúvida. Aquilo que Wei Zhao vai exigir este ano é que o orçamento que foi feito seja cumprido. E vai ter que recuperar alguma coisa que se gastou no ano anterior. Agora, quero sossegar os sócios no seguinte, o Aves neste momento tem a mesma equipa do ano passado.
Para esta época saíram três jogadores: o Adriano Facchini pediu para sair porque teve um contrato fabuloso na Arábia Saudita; o Tissone com muitas exigências para a renovação chegamos a uma altura em que prescindimos e já encontramos um substituto; o Guedes vendemos ao Guimarães. Renovamos com o Rodrigo Soares, comprámos o Ponck ao Benfica, fomos buscar mais um defesa esquerdo. Se formos ver a equipa que vai alinhar é praticamente a mesma.
Espera que com José Mota aos comandos desde o início da época o trajeto seja menos tumultuoso?
Sem dúvida. Temos uma equipa boa. Tão boa como a do ano passado, o que nos faz acreditar numa viagem mais tranquila. Grande diferença em relação ao ano anterior: não entraram 25 jogadores novos. Vão entrar 4 ou 5 para reforçar. Só isso dá logo um equilíbrio muito grande. O treinador é o mesmo. Tem tudo para ser um sucesso. E sucesso para nós é a manutenção mais rapidamente possível.
É presidente do clube há 7 anos, começou recentemente um novo mandato. Atingiu todos os objetivos a que se tinha proposto?
Quando entrei a minha grande meta foi o Bernardino Gomes. Sempre achei que aquele espaço estava desadequado completamente à imagem do Aves. Falei com o presidente da câmara na altura, Castro Fernandes, e a muito custo lá fomos negociando até que conseguimos. Hoje está ali um espaço digno do Aves. Aliás, já é pequeno, porque o Aves está a crescer. Depois, seria revitalizar as modalidades, o que também conseguimos.
No entanto, começamos a notar que o Aves tinha cada vez mais dificuldades financeiras, ou seja, as receitas eram cada vez mais precárias, a câmara cada vez cortava mais um bocado, o tecido empresarial da Vila das Aves, que ajudava o clube a movimentar-se, desapareceu.
Veio a exigência da SDUQ, o que acarretava outro tipo de responsabilidades. Eu não conseguiria aguentar o barco naquele patamar durante muito mais tempo. Ou nós arrancamos para uma solução que os sócios nos permitam encaixar capital exterior ou saía. Foi então que começamos com o processo da SAD. Ouvidos os sócios, a entrada ada “Galaxy” foi votada por unanimidade. E penso que o Aves deu um salto em frente muito grande.
Eu sei que o clube é a menina dos olhos de todos nós na Vila das Aves, mas foi um salto importante para chegarmos onde chegamos.
Sem SAD como é que estaria o clube?
Não sei. Sei apenas que se não houvesse SAD eu não me manteria, porque não me sentia bem em não conseguir receitas necessárias na altura para a segunda liga. Agora, poderia eu ter saído e surgido outro presidente que daria este salto sem SAD, mas quanto a isso nunca vamos saber.
Eu tive amigos e sócios que me disseram que preferiam ver o Aves na distrital do que entregue a uma SAD. Mas os sócios é que decidiram, não fui eu.
O clube neste momento tem os escalões de formação de futebol, exceto os juniores, e as modalidades de pavilhão, o futsal masculino e feminino e o voleibol feminino. Como é que se gerem estes desportos que do ponto de vista comercial não são tão atrativos?
Vou começar pelos juniores. A equipa júnior é inscrita pelo clube. O que existe é um apoio financeiro muito grande por parte da SAD, o que os legitima a tomar decisões sobre os juniores. Isso para nós é bom porque nos liberta um escalão e dinheiro para as modalidades.
Eu percebo que o ano passado, trouxeram muitos miúdos de fora e isso caiu um bocado mal nas pessoas, mas desportivamente uma equipa para andar na primeira divisão já não é só com miúdos da zona.
O Aves tem no futebol de formação 250 atletas, tem no voleibol feminino 100 atletas, 30 atletas de futsal feminino e no futsal masculino 60 atletas, para um total de 430 atletas. Tudo isto é feito a partir da publicidade que o Aves arrecada, com a quotização dos sócios, na qual a SAD não mexe, e com os 120 mil euros por ano de subsídio da câmara municipal.
Hoje, o Aves já é um clube certificado pela FPF em termos de formação, o que significa que temos que ter treinadores com um certo nível, um departamento médico que cumpras certos requisitos, o que equivale a um custo muito grande.
A aventura na primeira divisão de futsal o ano passado foi negativa. Tínhamos pouca experiência. Gastámos muito dinheiro e os resultados não foram compatíveis com isso. Se porventura conseguirmos lá chegar novamente, será diferente.
Relativamente ao papel de Narciso Oliveira como médico do futebol profissional. É público, até pela entrevista dada pelo próprio ao Entre Margens, o incómodo que a situação causou.
Foi um incómodo para o Narciso Oliveira, médico e sócio, foi um incómodo para mim e para todos os diretores do clube. O ano passado fruto da subida, eles queriam um departamento médico profissional a 100% e ele não podia assumir isso, mas apresentou uma solução que eu achei boa. Mas a SAD não aceitou.
O Narciso Oliveira também considerou que eu não lhe dei o apoio necessário, mas ele sabe que não é verdade. Eu não tinha nada e não podia fazer nada. Aliás, no dia em que foi afastado do futebol profissional, queriam que fosse eu a comunicar-lhe. Eu disse que acompanhava as pessoas, mas que não iria eu sozinho.
Não gostei que ele tivesse sido afastado. Lamentei muito o que sucedeu.
Qual é o ponto de situação do Centro de Estágio?
O centro de estágio está parado. Tem havido conversações com a empresa construtora. Será para recomeçar o mais rapidamente possível. O projeto foi feito há 4 anos e já está um pouco desatualizado. A previsão de fazer campos sintéticos não vai acontecer, vai ser tudo com relvado natural. Há um relvado sintético meio concluído que vai ser levantado e passar a natural.
E em relação ao edifício?
O edifício não vai avançar já, isso é ponto assente. A solução vai ser a construção de balneários bons para dar apoio aos relvados para mais tarde encaixar o edifício. No entanto o prioritário até ao final do ano é fazer os campos relvados.
Os contratos assinados com a junta de freguesia e a associação humanitária dos bombeiros preveem prazos que provavelmente terão que ser renegociados.
Provavelmente, sim.
Olhando para o futuro, o Aves é hoje um clube mais viável do que há três anos?
O Aves tem mais capacidade hoje para ser um clube em crescendo do que tinha há uns anos. Há uma coisa que o Luiz Andrade disse publicamente me magoou. Ele disse que quando chegou, o Aves estava falido. O Aves não estava falido. Isso é pura mentira. Provavelmente não sabe o que quer dizer a palavra. Um clube que tem um estádio, um pavilhão, um sintético no campo Bernardino Gomes, um património de cerca 4 milhões de euros…. O Aves não tinha liquidez imediata, o que é diferente de estar falido. Nunca tivemos nada hipotecado.
Até é um contrassenso, porque ninguém vai comprar um clube falido. Eles viram uma boa oportunidade de negócio, onde nós precisávamos e eles queriam. Comprar uma SAD do Aves, com histórico do clube, por 750 mil euros mais 20 mil com a outra parte, foi claramente um negócio apetecível.
Como gostava de ver o Clube Desportivo das Aves daqui a dez anos?
A crescer nas modalidades amadoras, mas para isso precisamos de espaços, o que não está fácil. Por exemplo no voleibol já não podemos aceitar mais ninguém porque não temos espaços suficientes, nem pavilhões aqui à volta para nos socorrer.
A manutenção é fundamental para que o Aves crie raízes de clube de primeira liga como criou na segunda liga, onde esteve mais de duas décadas. Esse seria o meu maior sonho.