Longe vão os tempos em que se podia acreditar que as Nações Unidas tinham alguma capacidade de intervenção para resolver conflitos entre nações vizinhas ou entre fações de um mesmo país. A boa intenção com que foi criada a ONU partia do pressuposto de que as nações aderentes poderiam manter a paz e a segurança internacionais, promover o respeito dos direitos humanos e fomentar a cooperação entre nações se estas cumprissem os princípios fundamentais da organização: a igualdade entre estados soberanos, a resolução pacífica de conflitos, a renúncia ao uso da força, a cooperação…
Desde que países poderosos se distanciaram destes princípios básicos, foi aberto caminho para acabar com a segurança a nível global. O uso da força, pela Rússia, contra a Ucrânia e o genocídio que o bloqueio da ajuda humanitária está a promover em Gaza, são amostra do mesmo desrespeito pela humanidade.
“O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada de novo debaixo do sol”, diz o Eclesiastes, livro do Antigo Testamento que terá sido escrito por Salomão, quase mil anos antes de Cristo. O caos está de regresso? Não é nada de novo. Mas temos que contar com uma diferença, que não é pequena: a capacidade de destruir (vidas, cidades, comunicações, ecossistemas, etc.) é hoje infinitamente grande. E é, também, enorme a evidência, em direto e em permanência, da emergência desse caos, consequência imediata da falta de respeito pelos direitos humanos. Porém, as evidências da fome em Gaza que vemos nas televisões e nos jornais não foram bastantes para obrigar Trump a retirar o apoio ao seu aliado opressor e a forçar a entrada de ajuda humanitária na região.
Habituamo-nos a ver nos Estados Unidos da América uma democracia modelo, madura e com mecanismos de autorregulação das instituições. Também isso caminha para o caos. É notória a falta de racionalidade de algumas afirmações e decisões. Não são favoráveis as estatísticas, a mensagem não agrada? Afasta-se o mensageiro. Como acreditar na capacidade deste regime para tomar decisões racionais na política internacional?
Com a Europa submissa na guerra das tarifas e obrigada a comprar material de defesa aos americanos, com a Rússia a passar da indiferença (relativamente às eventuais sanções) à ameaça de retaliação, como acabar a guerra na Ucrânia? Como resolver o problema da Palestina? Como terminar com os conflitos no Iémen, na Síria, no Sudão, em Mianmar, na Etiópia. Como combater a miséria e a fome no planeta?
Estados Unidos e Rússia estão muito mais próximos do que parece à primeira vista. Democracia? É para esquecer. Em ambos os lados, o séquito de predadores à volta dos autocratas aproveita a oportunidade para aumentar o seu poder e a sua riqueza à custa do caos global. E o mesmo se passa nos aliados de uma e da outra potência, como Israel comprova.
E, com a lendária paciência que se lhe reconhece, a China há-de aparecer a impor as regras do jogo, quando começar uma nova era.