No seguimento do artigo anterior, nos próximos números explanaremos as diversas espécies de peixes que habitaram a bacia hidrográfica do Ave tendo como base os registos deixados pelas Memórias Paroquiais de 1755. Todavia, não deixamos de analisar outras fontes, como as inquirições afonsinas, documentação de vários arquivos e bibliografia.
Solho (acipenser sturio)
Outras designações: esturjão, solho-rei
Caraterísticas: atualmente extinto em Portugal, o solho é um peixe anádromo, dado que cresce no mar e sobe os rios para reproduzir e desovar. Após a postura, desce os cursos de água doce, para voltar, novamente, às águas salgadas. Existem exemplares que podem ultrapassar os 3m de comprimento. Alimenta-se, sobretudo, de crustáceos, peixes de pequeno porte e molúsculos. No nosso país, subia os rios entre março e agosto. Os juvenis mantêm-se na água doce nos primeiros 2 a 4 anos. Posteriormente, descem para estuários e zonas costeiras1.

De entre todas as espécies piscícolas fluviais, em Portugal, esta foi, sem dúvida, a mais apetecida pelo Homem, devido ao seu grande interesse gastronómico. Atestar a sua existência na bacia hidrográfica do Ave é algo difícil dado que, na realidade, não subsistem registos que asseverem, conclusivamente, a sua presença. Na nossa pesquisa, só encontramos uma referência, por sinal, muito vaga, na “Descrição do Reino de Portugal”, de Duarte Nunes de Leão2, de 1610. Nela é referido que:
“Da mesma maneira [n]os rios de Mondego, Vouga, Douro, Leça, Ave, Neiva, Cávado, Lima, e do Minho, é admirável coisa a multidão que dão de sáveis, lampreias, trutas, iroses3, linguados, solhos, salmões, relhos4, e outros pescados preciosos”.
Em boa verdade, este texto abre a possibilidade da existência do solho no Ave. Contudo, se analisarmos esta obra, publicada durante o período filipino, facilmente reparamos no pendor altamente nacionalista que a mesma possui, dado que enaltece a geografia, as pessoas e os recursos do país. Por outra via, atente-se à forma ampla com que o autor alude a uma existência generalizada das várias espécies de peixes em todos os rios que cita. Porém, também não podemos esquecer que essa mesma generalização pode ser verdadeira, sobretudo no que diz respeito aos rios do Entre Douro e Minho, aí referidos.
Na realidade, estes apresentam inúmeras características naturais similares, tais como habitats, fauna e flora, dado que possuem nascentes, cursos e desembocaduras muito próximos uns dos outros. Daí que, de facto, e perante a referência, não tenhamos deixado de parte a possibilidade de o solho ter subido o Ave até à Idade Média. Desde esse período que, no nosso país, a espécie entrou em declínio, acabando por se extinguir no último quartel do século XX, quando desapareceu do Douro e, em especial, do Guadiana5, onde era mais abundante.
No Douro, ainda no século XX, pescaram-se exemplares com mais de 100kgs6. No início do século XVIII, Rafael Bluteau refere-o como um “Peixe Real”, característico do Guadiana, afirmando que “é maior que Atum, mais grosso e mais comprido”. Para que tenhamos a noção do seu valor, o mesmo autor também afirma que o solho valia “dez doze mil reis cada um, com que naquela terra se compra uma boa junta de bois”7. No Tejo, em Montalvo, perto de Muge, há o registo de uma captura, no reinado de D. Dinis, de um exemplar admirável que media 17 palmos (3.4m) de comprido, 7 palmos de largura (1.4m), pesando 17.5 arrobas (192.5kg) e que, da cabeça à cauda, possuía “30 escamas do tamanho de conchas”8. Para que se atestasse a veracidade do facto, o monarca, após verificar o exemplar in loco, mandou emitir um documento, assinado por si e por dois tabeliães.
Sobre o assunto consulte-se: MAGALHÃES MF; AMARAL SD; SOUSA M; ALEXANDRE CM; ALMEIDA PR; ALVES MJ; CORTES R; FARROBO A; FILIPE AF; FRANCO A; JESUS J; OLIVEIRA JM; PEREIRA J; PIRES D; REIS M; RIBEIRO F; ROBALO JI; SÁ F; SANTOS CS; TEIXEIRA A; DOMINGOS I – Livro Vermelho dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental. Lisboa: Faculdade de Ciências.ID & ICNF, I.P., 2023. P. 57.
FLUVIÁRIO DE MORA – Esturjão Em linha. [Consult. 14 jul. 2025]. Disponível em https://www.fluviariomora.pt/especies/esturjao/
2) LEÃO, Duarte Nunes de – Descrição do Reino de Porugal Duarte Nunez do Leão, desembargador da casa da suplicação. Dirigida ao illustrissimo & muito excelente sñor Dom Diogo da Sylva, Duque de Francauilla, Conde de Salinas & Riuadeo, Presidente do conselho da coroa de Portugal. Lisboa: impresso com licença, por Iorge Rodriguez, 1610. Fl. 56 V.
3) Eirós = enguias.
4)Truta-marisca.
5) MAGALHÃES MF; AMARAL SD; SOUSA M; ALEXANDRE CM; ALMEIDA PR; ALVES MJ; CORTES R; FARROBO A; FILIPE AF; FRANCO A; JESUS J; OLIVEIRA JM; PEREIRA J; PIRES D; REIS M; RIBEIRO F; ROBALO JI; SÁ F; SANTOS CS; TEIXEIRA A; DOMINGOS I – Livro Vermelho dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental. Lisboa: Faculdade de Ciências.ID & ICNF, I.P., 2023. P. 57.
6) SOEIRO, Teresa – Pescadores de Terra Adentro. Revista Oceanos. Os Pescadores. N.º 47-48 – julho/dezembro 2001. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. P. 137.
7) BLUTEAU, Rafael – Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico (…) Collegio das Artes da Companhia de Jesus. 8 volumes, 2 Suplementos. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1712-1728. Vol.9, P. 218.
8) COELHO, Maria Helena da Cruz – A Pesca Fluvial na Economia e Sociedade Medieval Portuguesa. Cadernos Históricos, vol. 6, n.º 6. Lagos: S.ed.,1995. P. 102. [Consult. 12 jul. 2025]. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/40883. Acesso em: junho 2025.