As eleições de 18 de maio trouxeram uma hecatombe para o sistema político português.
A extrema-direita, com o Chega, troca de posição com o Partido Socialista, enquanto segunda força política.
É difícil encontrar uma explicação simples para a ascensão da extrema-direita, até porque não é um fenómeno exclusivamente português. Aliás, em termos relativos, Portugal foi atingido mais tarde do que muitos países ocidentais. Como podemos testemunhar, os EUA, outrora pretensos donos do “mundo livre”, estão a ser tomados de assalto.
Há boa literatura que procura oferecer razões que expliquem o que está a acontecer. Esta é paradoxal. Por um lado, não faltam argumentos plausíveis. Por outro, a argumentação não é uniforme. Cada autor oferece uma explicação particular, que não tem necessariamente relação com a dada por um outro, sem que qualquer delas mereça menos consideração.
O politólogo Vicente Valentim, a este respeito, é muito perentório, numa tese de Doutoramento, internacionalmente premiada. Há uma série de preconceitos que estão há muito tempo disseminados numa parte substancial do eleitorado. As pessoas simplesmente tinham vergonha de expressá-los em público, com medo da censura social. A “nova” extrema-direita percebeu que havia aí um nicho eleitoral, e procurou explorá-lo. E assim deu-se o “Fm da Vergonha” (título da sua tese).
Daniel Oliveira (o que não faz chorar), ao entrevistar o Vicente, questiona-o, no entanto, por que razão agora esses “preconceitos”, que sempre existiram, passaram a ter expressão política, quando não o tinham antes. O Daniel avança com a “tese da inconsequência” dos objetos políticos de sempre – nomeadamente os socioeconómicos que garantem uma vida materialmente melhor às pessoas. Por outras palavras, a agenda da extrema-direita ocupa a agenda dos desejos políticos não concretizados.
Talvez a grande explicação resulte da conjugação destas duas teses.
Vamos à “tese da inconsequência”. Infelizmente a margem de atuação de políticas sociais, pelos governos nacionais, é muito limitada porque os principais instrumentos económicos estão fora da esfera deliberativa dos Estados, ou do bloco de Estados, como a UE. As políticas públicas têm de ser operadas no espaço apertado de regras cristalizadas em instituições transnacionais que determinam o comércio internacional, que não são decididas nem escrutinadas democraticamente. E estas obedecem à lógica neoliberal.
Às vezes digo meio a sério, meio a brincar, que a IL já nos governa, não precisa de integrar o governo para o fazer. Isto porque a sua ideologia já está plasmada nas regras que desde os anos 80 foram sendo introduzidas nos tratados internacionais, no FMI, no Banco Mundial, na OMC, e no Banco Central Europeu. O que isso nos trouxe? Crescimento anémico, desigualdades recorde, e crises recorrentes. Mas qualquer tentativa de implementar políticas socialistas ou social-democratas, estão limitadas ao curto espaço de atuação que estas regras permitem. Os Partidos que representam formalmente e historicamente a tradição da social-democracia ou do socialismo democrático (que são sinónimos, em Portugal gera confusão porque o maior partido da direita denomina-se social-democrata, o que é uma contradição de termos) não estão isentos de culpa, neste processo. Não necessariamente o PS, que é o representante português desta tradição, mas a adoção destes partidos pela terceira via fez com que capitulassem à ofensiva neoliberal dos anos 80, e subscrevessem os seus pressupostos.
Perante isto, a política torna-se pouco consequente para fazer face às necessidades das pessoas, para granjear justiça social e prosperidade partilhada. E o ressentimento tem de ir para algum lado. A extrema-direita é inconsequente a melhorar a vida das pessoas (pelo contrário), mas é consequente no que promete. Há uma correspondência quase imediata entre o voto e o impacto, ainda que destruidor, que este reflete no espaço público. Faz com que os eleitores se sintam soberanos do seu ato de decisão. Para o mal, mas soberanos. Explora o pior que há em nós, as vísceras, o instinto primário. Nero sentiu um apelo por incendiar Roma. A extrema-direita explorar esse Nero em nós, para satisfazer um vazio, do que a política não nos dá. As forças progressistas podem fazer melhor. Têm de fazer melhor. Aliás, temos de fazer melhor.