[Crónica] Debates: nota negativa à prestação dos avaliadores

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

Um debate político é composto por vários elementos. A estes correspondem matrizes distintas, nas quais os debatentes se posicionam em determinados pontos, muitas vezes contrastantes. 

O principal é a ideologia, que por sua vez se subdivide em vários eixos. Outro elemento é o programático. Ou seja, o que cada um propõe para os próximos 4 anos, indo ao encontro das preferências ideológicas. O terceiro é o compromisso com a verdade dos factos. Por outras palavras, por tudo aquilo que o mundo é, independentemente das suas opiniões. Por fim, há o ethos performativo. Diz respeito à postura, em termos de respeito ou falta dele, relativamente ao opositor.

Perante tanta heterogeneidade, é extremamente difícil avaliar um debate político. Muito menos atribuir um vencedor e um vencido. Não é ajuizado reduzir a uma métrica unívoca e homogénea, elementos potencialmente incomensuráveis. Seria como reduzir kilos a litros. Além do mais, os valores políticos não são neutros nem objetivos pelo que o olhar do avaliador também nunca o será, por muito que pretenda dar essa aparência.

Não obstante, ontem começaram os debates para as legislativas, e os órgãos de comunicação social insistem, de novo, na atribuição de notas (de 0 a 10, ou de 0 a 20) aos deabatentes. Assim, reduzem toda a complexidade heterogénea do debate a uma métrica, que ao tratar como simples o que pela sua natureza não o é, não serve para medir nada.

Faz lembrar o marketing às câmaras de fotográficas, à volta dos megapixéis. Pega-se num indicador simples, que qualquer leigo seja capaz de entender, mas que por si só, isoladamente, pouco ou nada diz sobre a qualidade das mesmas.

Na política esse modus operandi é especialmente grave, porque a reduz a um mero pragmatismo amoral. Neste, são equiparados o digno e o intolerável, a verdade e a mentira, o respeito e o desrespeito. Tudo sob a égide de uma suposta eficácia eleitoral, que ninguém sabe muito bem o que significa.

Só assim se explica que a maioria dos membros dos painéis televisivos tenham decretado um empate entre Inês Sousa Real e o André Ventura, quando o líder do Chega passou o debate inteiro a tentar estabelecer associações objetivamente falsas entre criminalidade e imigração, e a fazer ataques ad hominem à líder do PAN (para dizer o mínimo).

Isto diz muito sobre a comunicação social. Não, não é partidária da extrema-direita. Mas o seu fetichismo com a pertença neutralidade redunda irremediavelmente numa apreciação amoral da realidade, o que faz com que qualquer ideia, por muito escabrosa que seja, receba a mesma aceitação do que qualquer outra. E neste ambiente, a extrema-direita não podia estar mais confortável.

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