[Crónica] Mais tempo para nós

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

As férias são o pináculo de um ano de trabalho, uma espécie de redenção pelo esforço despendido, e acima de tudo, a recompensa que dá sentido ao conjunto de tarefas que perfazem uma ocupação laboral.

A maioria das pessoas vê-se forçada a vender a sua força de trabalho em troca de um salário. É a única alternativa viável a poderem suprir as suas necessidades materiais, sob o risco de cair na total destituição e miséria.

Infelizmente nem todas as pessoas têm o privilégio de poderem deslumbrar valor intrínseco na sua atividade profissional, para além do valor instrumental, isto é, das coisas que o salário lhes permite obter fora do horário de expediente.

Este divórcio entre trabalho e vida é meramente artificial. Se uma pessoa passa, em média, pelo menos 8 horas diárias no seu local de trabalho, isso significa que uma grande parte do tempo da sua vida foi “vivida” a trabalhar. Por conseguinte, se proporcionar uma vida digna para todas as pessoas for um objetivo político relevante, o tempo laboral não deve ser negligenciado.

Nesse sentido, há dois caminhos possíveis. Por um lado, melhorar as condições de trabalho – acrescentar valor ao tempo laboral. Por outro, diminuir a o tempo de trabalho.

Ambas os caminhos se afiguram necessários, e marcaram as lutas históricas dos trabalhadores.

O século XXI traz novos desafios. Se a luta pela jornada das 8 horas e pelas férias pagas granjearam conquistas fulcrais que prevalecem até à atualidade, encontram-se petrificadas face à mudança.

Não obstante o desenvolvimento tecnológico, o aumento da produtividade, e uma menor relação férrea entre tempo de trabalho e produção, a jornada de trabalho continua fixada em 8 horas/5 dias por semana (quando não é mais).

Face às circunstâncias, a que acrescem os desafios que a Inteligência Artificial e a automatização comportam, talvez já não faça sentido uma jornada de trabalho tão longa.

Uma das propostas mais em voga no debate público, e com excelentes indicadores nas experiências piloto que vão sendo realizadas, é a da semana laboral de 4 dias. 

Talvez seja o próximo passo que devamos dar. Há, no entanto, dois aspetos que não devem ser negligenciados. Em primeiro lugar, fazer com que um trabalhador deixe de ser explorado ao longo de 5 dias, e passe a ser explorado “apenas” em 4, é francamente insuficiente para ir à raiz do problema. Por outras palavras, uma estratégia de redução da quantidade de tempo de trabalho, deve ser articulada com medidas para melhorar igualmente a qualidade desse tempo, como afirmei acima.

Em segundo, tenho a sensação que se fala muito na semana laboral de 4 dias, mas pouco na extensão dos dias de férias. Penso que ambas a propostas deviam estar associadas.

Boa rentrée a todos os leitores!

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