Os surpreendentes acontecimentos das duas últimas semanas, que abalaram os meios políticos nacionais, têm vindo a ser profusamente analisados e dissecados por tantos comentadores e especialistas que será muito difícil encontrar alguma ponta por onde se pegue alguma novidade.
Ainda assim, alguma reflexão pode ajudar a clarificar ideias sobre como reagir, em consequência da necessidade de realizar eleições antecipadas e a obrigação cívica de nelas participar votando.
Parece haver, atualmente, uma tendência para a fixação dos agentes da organização democrática em polos diametralmente opostos, em prejuízo da qualidade das próprias instituições. Trata-se de um risco enorme para o futuro das sociedades democráticas, e não faltam exemplos de prenúncios de crise aguda, na América e na Europa. O atual momento político na vizinha Espanha demonstra que a procura, a todo o custo, de soluções para manter o poder pela aritmética parlamentar amplia as divisões e potencia as confrontações extremistas.
É por isso pertinente, no caso português e a bem do regime democrático, esperar que as escolhas programáticas para o futuro próximo privilegiem a colaboração institucional em vez da confrontação.
O funcionamento democrático das instituições deve ser defendido e promovido. As notícias recentes da política nacional causam estranheza, nomeadamente pela forma atípica como a demissão do primeiro-ministro em funções acarreta a dissolução, a prazo (!), do parlamento. Estranheza que resulta do facto de, nas eleições legislativas, não escolhermos um chefe de governo: elegemos deputados inscritos em listas de partido e, verificando-se haver maioria absoluta de um único partido, esta circunstância faz com que, naturalmente, seja o líder desse partido a formar governo. O normal, demitindo-se o chefe do governo, seria empossar um outro, depois de ouvir o próprio parlamento e, especialmente, o grupo maioritário. Assim, da forma como se procedeu, ficamos cada vez mais cientes de que a escolha dos líderes de partido, que, por sua vez, escolhem os deputados, nos retira liberdade de escolha no ato eleitoral.
O atual primeiro-ministro, ao demitir-se, faz cair todo o governo e as circunstâncias recordam a ideia do pântano de que se retirou Guterres. Mas foi ele próprio que escolheu os seus ministros e outros responsáveis e, de todos eles, esperávamos mais e melhor. Não seria portanto legítimo conhecer, por indigitação prévia em campanha, as personalidades reconhecidamente competentes que se propõem para os lugares chave do governo?
A forma como os órgãos de comunicação nacionais deram cobertura aos casos políticos e judiciais das últimas semanas excedeu, notoriamente as marcas do bom senso e do respeito e, em consequência, as guerras em curso quase desapareceram dos noticiários nesses dias. Mas elas continuam sem que um lampejo de bom senso faça parar a brutalidade e dê alguma esperança de paz. Aproxima-se um Natal que para as crianças dos países em guerra não trará nenhum sinal de melhoria de condições de vida. Mas por cá, esmeram-se os autarcas deste país em “investimentos” para “animação do Natal”, competindo entre si pela maior roda gigante, a melhor pista de gelo, a mais deslumbrante iluminação, a árvore mais impressionante. O Natal seria mais autêntico se a “animação” própria da época se expressasse em solidariedade com as crianças vítimas da guerra, da fome e da pobreza.