[Crónica] Quem ganha 2000 euros brutos é rico? Não, sim, talvez, depende…[

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

Normalmente as polémicas do Twitter não chegam muito longe. Na maioria dos casos, ficam confinadas às quatro paredes desta rede social.  Recentemente, houve uma, no entanto, que foi um pouco mais além.

Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal, fez uma publicação onde compara o peso dos impostos sobre um salário bruto de 2000 euros em Portugal relativamente a outros países. Perante a constatação de que o peso dos impostos sobre o salário é maior em Portugal do que nos países homólogos (não vou discutir aqui se os seus cálculos estão corretos ou não), CGP depreende daí a razão pela qual os jovens portugueses emigram.

A conclusão é tão absurda que quase nem merece contraditório. Contudo, vi com alguma estupefação muitas pessoas a aderirem a ela, e até a partilharem o post.

Porque considero-a absurda? Em primeiro lugar, o argumento falha à intuição. Se em certos casos a verdade é contraintuitiva, parece difícil de acreditar, tendo em conta a realidade portuguesa, que o número massivo de emigrantes portugueses a partir do período da Troika se trata de jovens que auferiam 2000 brutos. Os sucessivos dramas das famílias a despedirem-se dos seus filhos nos aeroportos, resulta afinal do peso dos impostos sobre os salários de 2000 euros destes, e não da falta de oportunidades de emprego, e de segurança salarial, dentro de portas, como imaginávamos? Repito, absurdo!

Em segundo lugar, para não nos ficarmos pela intuição, vamos a números. Em Portugal, um país em que quase metade da população seria pobre se não fossem as transferências sociais, apenas 3º dos jovens auferem 1500 euros brutos. Assim sendo, não é obviamente o peso dos impostos dos salários de 2000 euros o motor da emigração.

Na mesma senda, Susana Peralta, também no Twitter, recordou ao economista CGP que as comparações em termos de percentagem de imposto sobre o rendimento se fazem com base nos salários relativos e não nos salários absolutos. Corroborando a mesma ideia, vários utilizadores da rede social foram partilhando que em Portugal, não só 3º dos jovens auferem mais de 1500 euros, como indiquei acima, como um salário de 2000 euros brutos se situa no percentil 80, ao passo que o mesmo não acontece nos países comparados (cujo salário se situa em percentis bem mais baixos).

Podemos concluir que 2000 euros brutos, então, é um salário muito elevado? A resposta a esta pergunta espalha uma das tragédias da realidade portuguesa. Em Portugal, há um desfasamento entre duas conceções de classe média – absoluta e relativa. Em termos absolutos, 2000 euros brutos permitem um padrão de vida de classe média. Em termos relativos, 2000 euros não correspondem ao salário médio. Este é bem mais baixo.

Ora, por um lado é impossível sustentar um Estado Social e as transferências sociais que permitem tirar quase metade da população da pobreza, sem taxar os salários mais elevados. Por outro, impostos sobre 2000 euros impactam no nível de vida que as pessoas que o auferem podem prosseguir. De modo a obviar este problema torna-se necessário, entre várias medidas, fazer com que os salários mais baixos aumentem, permitindo aliviar o esforço fiscal de quem aufere salários um pouco mais altos. Mas isso implicará arrepiar caminho no processo de liberalização em curso que economia portuguesa tem sido alvo. Esta sim, a grande causa da precarização e desvalorização salarial. Uma realidade incómoda para os liberais, como CGP.

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