[Crónica] Porque estamos mais dispostos a receber refugiados ucranianos do que os outros?

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

A tragédia que assola a Ucrânia deu origem a uma nova crise de refugiados. É impossível, no entanto, negar uma diferença em relação às crises anteriores – a disponibilidade de acolhimento. Vemos pessoas a oferecerem as suas casas, grupos a organizarem transportes, os responsáveis políticos a suavizarem os habituais entraves de entrada. Não fomos tão generosos com os refugiados do passado. Qual a razão para agora ser diferente?

Há várias possíveis. A primeira hipótese diz respeito a motivações xenófobas. Ou seja, haveria uma maior abertura para acolher brancos, europeus e cristãos, simplesmente em virtudes destas características. Infelizmente é impossível dizer que esta motivação não existe, e que não faz qualquer diferença. Aliás, a extrema-direita anda a explorá-la. Contudo, podem sentimentos tão nobres como a tamanha generosidade e compaixão a que vamos assistindo explicar-se, em todos os casos, unicamente em bases tão rasteiras?

A resposta leva-nos à segunda hipótese. Uma nova guerra na europa faz ressoar no nosso imaginário o risco de sermos diretamente afetados por ela. Por outras palavras, lembra-nos que há o risco de um dia sermos nós a estar na condição daqueles que fogem da guerra. O médio oriente parece-nos longe, a europa é aqui na esquina (mesmo que geograficamente não seja sempre bem assim). Assim, não fomos necessariamente xenófobos. Contudo, se ficássemos por aqui, seríamos na melhor dos cenários egoístas.

“Não é possível ignorar, esquecer, e construir alibis mentais para lhes fecharmos a porta. Os gritos ouvem-se aqui, o sofrimento veio-nos parar aos olhos”

Hugo Rajão

Existe uma terceira hipótese. A cobertura mediática da guerra, ainda para mais na perspetiva do ocupado, faz com que os seus horrores nos entre pelos olhos adentro. Os refugiados deixam de consistir em meras abstrações, para passarem a ter rosto, nome, voz. Não é mais possível ignorar, esquecer, e construir alibis mentais para lhes fecharmos a porta. Os gritos ouvem-se aqui, o sofrimento veio-nos parar aos olhos. 

Estas três ordens de motivações estão sem dúvida presentes. É necessário, no entanto, notar uma diferença substancial entre elas. As últimas duas têm potencial para tornar o mundo melhor. Se devidamente exploradas politicamente propiciam um sentimento generalizado de compaixão pelo outro. Lembram-nos que há uma condição partilhada, e que a maior ou menor segurança que experienciamos no local em que habitamos é fruto de uma lotaria social sobre a qual não temos nem mérito nem culpa. As posições podiam estar invertidas. Por conseguinte, estas motivações talvez façam com que na próxima crise de refugiados seja mais difícil fechar-lhes a porta do que no passado, independentemente da sua origem, etnia ou credo.

A primeira motivação, por seu turno, torna a nossa sociedade pior por razões óbvias. Serve o único propósito de dividir para reinar. Distinguir os refugiados “bons” dos “maus” para segregar ainda mais ainda estes últimos. É isso que tem feito a extrema-direita.

Na maioria dos casos, quero acreditar, não se trata de xenofobia, mas de pura compaixão.

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