As consequências da pandemia, a par do conflito no leste europeu, levam-nos a concluir que estamos no caminho errado ao submeter a nossa economia à hegemonia de outras potências. O aumento do preço dos combustíveis, energia, gás, bem como a carência de bens alimentares essenciais ou medicamentos, tem deixado a descoberto um conjunto de problemas estruturais.
Um país à beira-mar plantado, com uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa e do Mundo (3ª maior da Europa e 11ª do mundo), importa mais de 2 mil milhões de euros de pescado por ano. A nossa dieta tem nos cereais um elemento fundamental, mas só produzimos trigo para 15 dias do ano e o milho para 4 meses, registando-se défices também em cereais como a cevada e o centeio. O défice estende-se à carne, à batata, às leguminosas, entre outros produtos, conduzindo a uma balança comercial de bens alimentares de cerca de 3 mil milhões de euros negativos.
Quanto à energia que move o país, Portugal apresenta uma elevada dependência energética, que, nas últimas décadas, se situa entre os 80% e 75% (quarta taxa mais elevada da UE, cerca de 25 pontos acima da média europeia, que ronda os 55%). Do lado da oferta, adverte-se para o peso excessivo dos recursos energéticos não renováveis, sobretudo o petróleo e o gás natural, e do lado da procura, para o peso do transporte individual no dia-a-dia, em resultado da desastrosa política de abandono e secundarização da ferrovia. Ao mesmo tempo, sustentamos aumentos abusivos dos preços dos combustíveis e da energia, enquanto a Galp e a EDP anunciam a distribuição de lucros anuais entre 300 e 800 milhões de euros, assim como o pagamento de principescos bónus aos seus gestores.
“Ao abdicar-se do investimento público em setores baseados do conhecimento e tecnologia, consolida-se a economia assente em setores pouco produtivos e com baixos salários”
João Ferreira
De realçar ainda a dependência tecnológica, por força do subfinanciamento crónico da investigação científica, da falta de uma estratégia nacional para a investigação, e da demissão do papel dinamizador do sector empresarial do estado, que outrora introduziu inovações tais como a via-verde nas auto-estradas e os primeiros telemóveis pré-pagos do mundo. Ao abdicar-se do investimento público em sectores baseados no conhecimento e tecnologia, consolida-se a economia assente em sectores pouco produtivos e com baixos salários, como o turismo, a restauração, a construção e o imobiliário, onde o investimento privado se tem concentrado desde o início da integração europeia devido aos lucros que oferecem.
Este é o resultado do caminho das privatizações, da liberalização de preços, de deixar ao capital privado decisões fundamentais sobre sectores estratégicos, que coloca o país numa situação de maior dependência face a situações externas que não controla (como a que agora vivemos). Sendo certo que à crescente dependência económica, sobrevêm sempre uma crescente subordinação política.
É precisamente por isso que o Estado deve ter um papel decisivo, quer no investimento público para promover mudanças estruturais na economia, quer no apoio à produção e ao consumo de bens alimentares prioritários, designadamente através da criação de uma empresa pública de reserva nacional de bens alimentares prioritários, quer ao reassumir o controlo público das principais empresas de produção, transporte e comercialização das diferentes formas de energia, adoptando um regime de preços máximos nos combustíveis e electricidade. Reassumir o papel interventivo do Estado no desenvolvimento soberano é tarefa inseparável de um Portugal com futuro.