Na última semana, a “aventura” do pequeno Noah encheu os noticiários e não deixou ninguém indiferente. O final feliz depois de longas horas de angústia passadas nas buscas pelos campos e vales de Proença-a-Velha aliviou as consciências de quantos já tinham condenado a falta de zelo e de cuidados parentais num ambiente rural escolhido como alternativa ao modo de viver citadino.
Temos que assumir que se tratou de uma situação de muito perigo e que, felizmente, tudo acabou muito bem. Mas podemos pegar no caso para refletir sobre a autonomia e liberdade que hoje se dá às crianças em ambientes urbanos, ou quase urbanos, como estes em que agora vivemos.
Quem já por cá anda há algumas décadas recorda bem que íamos para a escola sozinhos ou em pequenos grupos, por campos e carreiros, passando junto de presas, fontes, cancelas e portelos de cão.
O que é que mudou radicalmente, que faz com que seja impossível permitir às crianças tal autonomia? Seguramente que o mesmo que impede as crianças de praticar o futebol de rua em que dantes se gastava boa parte do tempo: o trânsito automóvel!
Será uma utopia pensar que as crianças podem voltar a dispor dos espaços públicos com a autonomia de não estarem controlados por um adulto e a liberdade de escolher o que fazer?
Nesta edição do Entre Margens fomos perguntar a algumas pessoas o que deveremos pretender que seja, no futuro, uma terra como Vila das Aves. E as questões fundamentais são com certeza pertinentes para toda a região. A ideia é pensar antes de agir, antes que se criem situações caóticas e sem retorno.
“Será uma utopia pensar que as crianças podem voltar a dispor dos espaços públicos com a autonomia de não estarem controlados por um adulto e a liberdade de escolher o que fazer?”
Américo Luís Fernandes – Diretor
Vem a propósito divulgar um livro de Frato (Francesco Tonucci), “A cidade das crianças- Uma nova forma de pensar a cidade”, que já tem mais de 25 anos e explica o projeto que começou na sua cidade natal (Fano, em Itália). As suas ideias estão na origem de uma rede de Cidades das Crianças, em que devolver a cidade às pessoas assume preponderância porque só num espaço devolvido às pessoas as crianças se poderão movimentar tranquilamente, ir à escola sozinhos, brincar com autonomia, vivendo a sua terra como protagonistas.
Em entrevista recente ao Público, Frato afirmava que ”uma cidade estará apta para brincar quando não tivermos que criar mais locais específicos para as crianças estarem”, pois uma criança deve “poder sair de casa sem ser pela mão de um adulto, encontrar amigos na rua e decidirem, juntos, ao que brincar, onde e como.”
Devolver a vila ou a cidade às pessoas exige repensar a circulação automóvel e criar circuitos pedonais seguros e separados, a projetar de raiz, dada a incompatibilidade com a rede viária atual. Reparando bem, em todo o lado as atuais ruas foram criadas para a circulação pedonal e só depois apropriadas pela civilização do automóvel. É urgente a devolução, começando por retirar as estradas nacionais do meio das localidades.