[Opinião] Adolescência

Ana Isabel Silva CRÓNICAS/OPINIÃO

Estreou recentemente na Netflix uma minissérie de que todos falam: Adolescência. Em apenas quatro episódios, retrata a história de um rapaz de 13 anos suspeito de matar uma colega. A série centra-se na cultura machista e misógina, que está a tornar-se cada vez mais disseminada entre jovens rapazes, mais violenta e com mais seguidores do que nunca.

O jovem de 13 anos passa os seus tempos livres em casa a consumir conteúdo online. Figuras como Andrew Tate disseminam mensagens misóginas que moldam o pensamento de milhares de adolescentes. Há uma frase marcante dos pais do jovem na série: “Ele estava em casa, por isso achávamos que estava seguro.” Hoje, os perigos já não estão apenas nas ruas — estão dentro de casa, onde temos acesso a todo o conteúdo que reforce a nossa visão do mundo. Para os jovens que sofrem de bullying na escola, a casa também deixou de ser um espaço seguro porque tudo continua dentro de casa no espaço virtual.

A série “Adolescência” aborda também a questão da classe social. Uma família de classe baixa no Reino Unido, em que o pai está quase sempre ausente, a trabalhar. Ganha mais quando faz horas extraordinárias. Retrata bem como a ausência de um horário regular e a precariedade laboral podem afetar profundamente a dinâmica familiar. Mas é um erro pensar que a culpa é apenas dos pais. Embora a educação em casa seja essencial, estamos perante uma mudança sociológica profunda, que só poderá ser combatida a nível coletivo.

Figuras como Elon Musk que defendem que a empatia pelo outro está a destruir a nossa sociedade, reforçam a ideia de que rapazes não devem sentir, devem ser sempre fortes, sendo esta a base desta cultura machista que está a aumentar. Isto não se resolve apenas tratando casos individuais ou colocando os jovens rapazes em terapia. Para combater a cultura machista, precisamos de uma mudança estrutural na sociedade. Precisamos de toda a gente. Precisamos, sobretudo, dos homens. Quando um homem tem um comportamento machista, quando não paga a pensão, quando não cuida dos filhos… tem de sentir consequências sociais.

É essencial que homens e mulheres tenham relações de amizade — e não apenas se encontrem em contextos de relações amorosas. É necessário que os homens aprendam a admirar mulheres que não sejam apenas as suas mães, esposas ou filhas. Muitas vezes, quando políticos homens se manifestam contra casos de violência de género, justificam-se dizendo que estão a defender as suas filhas, esposas ou mães. Mas por que não defender também mulheres com quem não têm qualquer relação afetiva? Mulheres que não conhecem?

Recentemente, em Loures, tivemos o caso de três jovens rapazes que, alegadamente, violaram uma rapariga e colocaram o vídeo online. Mais de 30 mil pessoas viram esse vídeo. Ninguém denunciou. Quando foram expostos, ainda se vangloriaram nas redes sociais. Quase todos condenámos esse ato, certo? Mas por que razão ninguém o denunciou ao vê-lo? Vi incrédula, nas redes sociais, pessoas a afirmarem que a rapariga “também teve culpa” porque foi ter com eles. É o mesmo discurso que culpa uma vítima de violação por andar na rua às três da manhã. É um discurso que tem uma razão de ser: faz-nos sentir que estamos a salvo. Este discurso faz-nos sentir que a nós não nos acontecerá, desde que não andemos na rua de madrugada, não visitemos amigos rapazes, não bebamos demais… Mas isso não é verdade. Apontamos falhas à vítima para não a reconhecermos como semelhante a nós.

Mas este discurso não faz caminho para a solução, pelo contrário. E engane-se quem acha que não será afetado por esta nova onda do movimento machista. Precisamos de soluções estruturais, de mulheres e de homens nesta luta, de mais educação e de um debate alargado.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

five × three =