Na vizinha vila da Roriz, a Cooperativa Elétrica comemorou com solenidade, noventa anos de vida. Tal comemoração é notícia nesta edição, tendo sido destacada á, na edição anterior, a importância social e económica da instituição.
Foram apenas dez as freguesias, em todo o país, que conseguiram manter a propriedade do património relacionado com a distribuição de energia elétrica e o serviço de distribuição, por ser propriedade de cooperativas. Património criado por iniciativas locais (Juntas, empresas, câmaras municipais) desde os primeiros anos da eletrificação, cerca de 1930.
A criação do monopólio de produção e distribuição chamado EDP ocorreu nos tempos conturbados de 1975 e, no início da década de 1980, foi definida como competência dos municípios a distribuição de energia, numa formulação legal que obrigava, na prática, à concessionar a distribuição à EDP. A vantagem seria a instituição de tarifários nacionais únicos e a modernização da rede.
Na Vila das Aves, era a Junta de Freguesia que fornecia a eletricidade, com total independência dos Serviços Municipalizados, que faziam o mesmo na sede do concelho e arredores.
A perspetiva da integração das redes na EDP criou enorme contestação em muitos distribuidores, com a Câmara do Porto à cabeça. E, tanto a Junta de Vila das Aves como a Câmara de Santo Tirso (através dos seus Serviços Municipalizados) suspenderam o pagamento dos fornecimentos de energia (à EDP), com forma de defender os interesses locais face à obrigatoriedade da concessão.
No processo de integração da rede na EDP, na sequência da publicação do Decreto-Lei 344-B/82, só a Câmara tinha voz. O protocolo da Câmara com a EDP, celebrado a 1 de outubro de 1983, que permitiu o desbloqueio dos diferendos, deu à EDP a concessão na totalidade do concelho, ignorando as explorações feitas pelas Juntas e promovendo, desta forma, a integração tácita do seu património, sem que algum dia tivesse havido encontro de contas entre os valores em débito à EDP e os ativos respetivos (rede, postos de transformação, …) de que a câmara acabou por apossar-se.
A verdade é que, nas vésperas da integração o serviço era fraco, com falhas sistemáticas e a taxas elevadas. Mas havia investimento já feito em postos de transformação prontos a ligar, ligação que a EDP protelava. A Junta liderada por José Pacheco chegou a pensar negociar a dívida com a EDP (“só de juros de mora rondavam os mil contos mensais”) e a ter a ilusão de vir a receber renda pela concessão. Mas acabou conformada por ter conseguido defender os interesses dos funcionários afetos ao serviço (aliás, todos os funcionários da Junta) e por ter obtido “o perfeito abastecimento de energia”. “Prestamos um bom serviço à terra”, já que “não havia outra saída perante a dívida de dezenas de milhares de contos”, (transcrições de entrevista ao Jornal das Aves).
Ora o executivo anterior a esse, liderado por Geraldo Garcia, que tinha deixado de pagar os fornecimentos da EDP, dispôs dessas verbas para, entre outras e variadas coisas, comprar terrenos. Foi o caso dos terrenos do Loteamento das Fontainhas e do primeiro projeto de urbanização do local.
Nunca será possível comparar o valor do património apossado pela Câmara e logo concessionado à EDP, com o montante real da dívida de eletricidade. Mas, dadas as circunstâncias, o endividamento compensou, de certo modo, a freguesia.
Felizmente, Roriz e Vilarinho escaparam a este processo. Ainda bem, porque se comprova terem obtido e continuarem a obter benefícios da sua singularidade. E que há outras formas de gerir democraticamente o património público.