Concerto no segundo dia do Sonoridades foi um desafio e uma aventura com final feliz para os protagonistas, resultando num espetáculo de energia incendiária. Parceria inédita pode abrir portas a novas experiências no futuro.
Abrir portas e novos horizontes. Não só ao público como ao tecido artístico e cultural. Esta é a missão proposta ao Sonoridades, festival que à sétima edição, tem um calendário próprio marcado na agenda cultural da região. E se no ano passado a parceria entre O Gajo e a Escola de Sanfonas da Ponte Velha deu o mote perfeito para os concertos da comunidade, no âmbito do festival, o desafio não era menos aliciante.
Os Bicho Carpinteiro, banda que se inspira na música tradicional e lhe dá uma nova roupagem com beats eletrónicos, era convidada a partilhar palco e canções com o Grupo Etnográfico das Aves. Um casamento inusitado à primeira vista, mas que não podia ter sido melhor desenhado.
Como explica Paula Soares, dirigente do grupo etnográfico, em conversa com o Entre Margens, esta oportunidade surgiu de um “convite da Câmara Municipal de Santo Tirso no âmbito do protocolo estabelecido” e desde a primeira hora que o rancho se mostrou “entusiasmado com a oportunidade”. “Ficamos todos contentes. A gente gosta de grandes desafios” e sobretudo mostrar que o “folclore não só é viras”, pode ser muito mais do que isso.
Para os Bicho Carpinteiro era esta uma “oportunidade irrecusável”. Como explica Rui Rodrigues, músico da dupla proveniente do sul do país, a banda não toca música tradicional, é inspirada pelos seus elementos que espoletam o processo de criação que tem por base as violas tradicionais que ambos empunham e revestidas de uma camada de modernidade proporcionadas pelos synths, drum kits e beats eletrónicos.
“Costumamos chamar a isto tradição aumentada”, refere Diogo Esparteiro, parceiro de banda.
Um ensaio memorável
Umas semanas do dia D, viajaram de Lisboa para Vila das Aves para finalmente se encontrarem pessoalmente com os elementos do Grupo Etnográfico das Aves, na sua sede. Era o único ensaio presencial entre as partes, mas logo à partida toda agente que percebeu que estavam em sintonia.
Antes tinha ficado definido que a parceria se iria debruçar sobre duas músicas. O “Ventos da Arada” dos Bicho Carpinteiro e um medley onde o rancho avense misturou um vira e um malhão.
Na hora de pegar nos instrumentos, bastou uma passagem pelas músicas para perceber que estava tudo no sítio. “Eles estavam bem preparados e fui tudo simples”, realça Diogo Esparteiro. “As seguintes foi só para confirmar que estávamos a ouvir bem”.
Com a parte musical encaminhada, o resto da noite, que se prolongou pela madrugada dentro, transformou-se num convívio “musical e gastronómico”, de partilha e confraternização onde até a dançar os ‘Bicho’ aprenderam.
“Uma das ideias que tínhamos par ao concerto era ter bailarinos do rancho em palco, mas com a falta de espaço tivemos que deixar de lado”, relembrou Paula Soares. No entanto, essa ausência não impediu que, não só tivessem explorado essa vertente, como pode abrir uma janela de oportunidade para uma nova parceria num palco que permita uma colaboração de todo o rancho, bailarinos e tudo, com os Bicho Carpinteiro.
Até porque, para o professor Alfredo, da tocata do Grupo Etnográfico, este foi um desafio que “entusiasmou os músicos” e deu-lhes uma nova perspetiva. “Para eles, isto é uma felicidade enorme. Subir a um palco neste contexto é um novo mundo, estão empolgados”, garantiu. Imagine-se o estímulo que foi ter a oportunidade de colocar os músicos mais jovens da tocata neste ambiente, mas também o sr. João, o elemento mais velho, nas castanholas, em palco rodeado com música eletrónica. “Foi uma felicidade enorme”.
O resultado deste intercâmbio incendiou o repleto auditório do Centro Cultural de Vila das Aves e abriu o apetite para mais a Rui e Diogo.
“Até tenho pena que não tenhamos gravado esta música inicialmente assim com uma tocata deste género. Esta é uma parceria que eu penso será para repetir, seja em palco, seja numa gravação. Estamos super motivados até a fazer uma música nova. Há de ser algo a repetir”, rematou Rui Rodrigues.
Uma porta aberta que Paula Soares não quer fechar. “Às vezes pensamos que estamos num buraquinho assim pequenino, que ninguém sabe, ninguém vê, mas de uma hora para a outra, abrem-nos a porta. O folclore pode ser sempre mais do que as pessoas estão habituadas”.