[Opinião] A desilusão das presidenciais

Ana Isabel Silva CRÓNICAS/OPINIÃO

No próximo ano, os portugueses voltarão às urnas para eleger o Presidente da República para os próximos cinco anos. No entanto, aquilo que deveria ser um momento de debate mobilizador e de confronto de ideias tem-se revelado, até agora, uma profunda desilusão.

Henrique Gouveia e Melo, amplamente projetado pelo espaço mediático, surgiu inicialmente como uma esperança para muitos que acreditavam na possibilidade de trazer ideias novas, vindas de fora do sistema partidário e político. Para quem via nele uma alternativa aos “mesmos do costume”, os debates têm mostrado precisamente o contrário, dificuldades claras na articulação de ideias e uma ausência de propostas verdadeiramente distintas que justifiquem essa expectativa de rutura. Tem ainda optado por diminuir quem escolhe servir o país e eleito para isso, em vez de promover um verdadeiro combate de ideias.

Marques Mendes representa, sem grande surpresa, mais do mesmo. Uma candidatura previsível, alinhada com a direita, sem ambição de renovar o discurso nem de responder aos desafios profundos que o país enfrenta. Torna-se particularmente preocupante num momento em que o PSD é também Governo, eliminando qualquer contrabalanço efetivo nas políticas e na sua fiscalização.

Já Cotrim Figueiredo mantém-se fiel à cartilha liberal. A defesa do pacote laboral que promove aponta para uma maior precarização do trabalho e para uma crescente falta de estabilidade, num país onde estes problemas já são estruturais. Longe de representar uma resposta moderna, esta visão empurra-nos para um passado, disfarçado de modernidade para agradar aos interesses patronais.

António José Seguro não consegue mobilizar nem entusiasmar. Falta-lhe uma ideia forte que segure o país e que projete um futuro claro. O facto de o seu diretor de campanha no distrito do Porto ser o atual presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso é prova disso mesmo, um sinal de continuidade e não de mudança. Não se vislumbra aqui qualquer proposta verdadeiramente transformadora.

Mais grave ainda é o empobrecimento do próprio debate político. Numa altura em que deveríamos estar a discutir o aumento da desigualdade, a crescente concentração de riqueza em apenas alguns, a sustentabilidade do planeta ou a justiça social na aplicação da inteligência artificial, estamos, em vez disso, a perder tempo com temas que não resolvem nada na vida concreta das pessoas. Pouco ou nada se fala do custo da habitação, da precariedade laboral ou do futuro dos serviços públicos.

E é precisamente aqui que reside uma grande responsabilidade da esquerda. Num contexto de ataques à democracia e com uma maioria de direita e extrema-direita no Governo e no Parlamento, é difícil compreender como a esquerda não foi capaz de se unir em torno de uma alternativa real para o país. Mesmo que essa candidatura saísse derrotada, teria servido para juntar o país em torno de ideias de justiça social, solidariedade e igualdade.

Sou favorável à existência de várias esquerdas, que assumam as suas diferenças, vão a votos com os seus próprios programas e não se deixem condicionar pela agenda da direita. Mas este momento político exigia mais. Exigia uma aliança sólida e forte. A incapacidade de a construir é, talvez, a maior derrota destas presidenciais, ainda antes de os portugueses votarem. Não sinto que haja muito mais a dizer sobre esta campanha, porque não está a ser discutida qualquer visão com real capacidade de resolver os problemas do país. Essa é a grande desilusão destas eleições.

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