[Crónica] Acelerar Portugal? Bem que não saímos da garagem

CRÓNICAS/OPINIÃO Hugo Rajão

No debate entre os dois principais candidatos ao lugar de primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos acusou Luís Montenegro de basear o cenário Macroeconómico da AD numa previsão irrealista, em excesso de otimismo, de crescimento económico para Portugal nos próximos anos, ao ponto de ser diferente dos números, bem mais pessimistas, que o próprio LM apresentou em Bruxelas.

LM, como réplica, critica a leitura de PNS, por ignorar o efeito acelerador que as políticas fiscais da AD terão no PIB.

Que políticas são essas? Embora com menos fulgor do que a IL, aliado preferencial da AD, resumem-se a baixar impostos, que na prática concentra o alívio fiscal nas camadas mais abastadas. Especificamente, o suposto segredo estaria sobretudo no aprofundamento da baixa do IRC, já iniciado.

A receita milagreira não é original à direita. É aquilo que se pode designar de trickle down, ou em português, economia de gotejamento. Em suma, trata-se da crença de que se reduzirmos os impostos de quem se encontra no topo, não obstante a perda de receita inicial, isso terá um efeito multiplicador no crescimento económico que chegará ao bolso de todos, não apenas dos mais ricos – que o sentirão imediatamente – mas até dos mais pobres, e o bolo fiscal acabará também por aumentar, não em termos relativos, mas em termos absolutos. É isto, e nada mais, que a AD, na versão light, e a IL, na versão musculada, propõem para, nas palavras dos “liberais”, “acelerar Portugal”.

Esta política baseia-se em três pressupostos: Primeiro, o alívio fiscal leva a maiores investimentos; Segundo, esse maior investimento gera crescimento; finalmente, o maior crescimento leva a ganhos distributivos para todos.

O problema é que estes pressupostos, e com eles todo o alegado “pragmatismo objetivo”, que a direita tanto gosta de arrogar para si, em oposição ao que entendem ser o irrealismo da esquerda, esbarram constantemente contra a parede.

A evidência empírica, perfeitamente documentada pela literatura académica, do desempenho económico das últimas décadas, nos diversos países, é mais do que suficiente para refutar cabalmente esta receita. Aliviar fiscalmente os mais ricos tem no melhor cenário um efeito diminuto no investimento e no crescimento, e pelo contrário, acentua a concentração do rendimento gerado nestes, que já partem de melhor posição, aumentando as desigualdades. Ou seja, a economia pouco ou nada cresce, e o que cresce não goteja, como prometido.

Tentemos, no entanto, dar o benefício da dúvida a Luís Montenegro. O segredo por vezes está nos detalhes. Olhemos, em concreto, para a proposta de redução do IRC.

Imaginemos o melhor cenário. Vamos acreditar que as empresas não usarão a borla fiscal para aumentar os dividendos dos seus administradores, mas que ao invés investirão toda esta nova folga. O que acontece? Segundo o estudo do Banco de Portugal, por cada descida percentual em sede de IRC a economia cresceria, na melhor das hipóteses, apenas 0,1%. Ou seja, mesmo que, contra toda a evidência histórica, os empresários decidissem prescindir da totalidade deste acrescento nos lucros, e o reinvestissem na totalidade, o impacto económico seria, no melhor cenário, marginal. O que não é marginal é a falta que esta receita faz nos serviços Públicos. Acresce que só um grupo restrito de empresas, beneficia verdadeiramente com medida, e estas não se encontram necessariamente nos setores mais dinâmicos, e consequentemente mais propensos a arrastar a economia, como bem aponta o economista Ricardo Paes Mamede.

É caso para perguntar. Se a tese é tão absurda, como é que tem tanto respaldo na opinião Pública? A jornalista canadiana Naomi Klein tem uma resposta. A ideias neoliberais, contra todas as evidências, não são desacreditadas simplesmente porque beneficiam as camadas que concentram mais poder.

Em todo o caso, é esta a receita que a direita portuguesa tem para acelerar Portugal.

Bem que não saímos da garagem!

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