Anúncio do primeiro-Ministro deixou ondas de choque por todo o concelho. Câmara diz-se surpreendida já que não foi ouvida no processo. PSD aplaude e diz que ajudou a negociar solução. Esquerda critica “privatização encapotada”. Santa Casa mostra-se “disponível” a servir a comunidade.
E de um momento para o outro, tudo pode mudar. Numa conferência de imprensa dedicada à saúde, o primeiro-Ministro, Luís Montenegro anunciou a vontade do Governo de entregar a gestão de algumas unidades hospitalares públicas para as Misericórdias.
A ideia não é novidade e retoma um processo que foi interrompido no final de 2015, quando o então chefe de Governo, António Costa, anulou a transferência dos hospitais de Santo Tirso e de São João da Madeira para Misericórdias locais, decidida pelo seu antecessor, Pedro Passos Coelho.
Agora, Montenegro sublinha que este ato “simboliza o início de um novo tempo de reforço do papel das Misericórdias no SNS”, afirmando que a Ministra da Saúde “já está a trabalhar” para a transferência das unidades de Santo Tirso e São João da Madeira para “as mãos das Misericórdias”, a bem da “prestação de serviços com maior eficiência e maior eficácia às respetivas comunidades”.
O anúncio, feito sem aviso prévio, caiu como uma bomba no concelho, apanhando os vários atores e protagonistas de surpresa, face ao tom de dado adquirido com que a decisão foi anunciada perante os jornalistas.
Contactada pelo Entre Margens, a Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso remete esclarecimentos para uma nota deixada nas redes sociais da instituição, não esclarecendo sobre a negociação em curso ou sobre o modelo de gestão sobre o qual esta transferência estará assente.
“A Misericórdia de Santo Tirso está ao serviço da comunidade e sempre disponível para apoiar o Estado na implementação das suas políticas sociais e de saúde, respondendo com determinação, inovação e empreendedorismo a qualquer projeto ou desafio nas suas áreas de intervenção”, pode ler-se.
PSD diz que decisão do Governo se trata de “vitória para os utentes”
Reclamando um papel central neste processo, o PSD de Santo Tirso aplaude a decisão do Governo, afirmando que o Hospital não vai deixar o SNS, nem haverá despedimentos, apenas mudará a gestão, acusando a Câmara de “semear desinformação”.
Em comunicado, a concelhia dos sociais-democratas adianta algumas das áreas que podem vir a mudar sob a gestão da Misericórdia mediante o novo acordo anunciado pelo primeiro-Ministro (embora ainda desconhecido publicamente), nomeadamente com a manutenção das especialidades existentes, incluindo internamento, urgência básica e nova ala de saúde mental; alargamento a especialidades como urologia, cirurgia vascular ou ortopedia; parceria com o IPO para doentes oncológicos e unidade de cuidados paliativos de alta complexidade para doentes terminais, entre outros.
Fica por esclarecer, para já, como é que tais intenções serão operacionalizadas dentro das Unidades Locais de Saúde (ULS) que já de si, à partida, conjugam cuidados hospitalares e cuidados de saúde primários. Ou seja, como é que a gestão da ULS do Médio Ave, especificamente, vai agilizar tudo isto com uma entidade como a Misericórdia de Santo Tirso.
Para já, do lado do PSD, o foco está em apresentar soluções dada a “urgência e falta de respostas sentidas por todos os munícipes. “As avaliações fazem-se no final”.
Câmara surpreendida pede reunião urgente à Ministra da Saúde
As ondas de choque da decisão começam logo na Câmara Municipal de Santo Tirso que, em comunicado enviado às redações, “lamenta ter sido informada pela Comunicação Social de uma medida com enorme impacto para população do concelho, sem que tenha sido chamada a dar o seu contributo para o processo de decisão”.
Ora, questionado à margem de uma inauguração em Vilarinho, Alberto Costa vai mais longe, criticando o Governo por negociar com líderes partidários sem qualquer representação autárquica.
“Acho muito estranho que o líder do PSD venha dizer que que esteve no centro da negociação. A ser verdade, então, agora os governos passaram a negociar com pessoas que não têm qualquer cargo autárquico, nas costas daqueles que são eleitos?”, questiona o edil tirsense, sublinhando que nem a Câmara de Santo Tirso, nem da Trofa, nem de Famalicão (da área de intervenção da recém-criada Unidade Local de Saúde do Médio Ave) foram ouvidas neste processo.
Aliás, para a autarquia tirsense, a decisão é “incompreensível” especialmente depois de “terem sido cumpridos os investimentos de cinco milhões de euros na qualificação do Hospital de Santo Tirso e de, há precisamente um ano, ter sido inaugurado um novo edifício construído para albergar a Unidade de Apoio ao Serviço de Urgência e Cuidados de Saúde Primários na Área da Saúde Mental”.
Salientando o “papel fundamental” da Misericórdia de Santo Tirso no tecido na prestação de serviços de assistência social no concelho, a Câmara defende a “manutenção do Hospital de Santo Tirso no SNS”, considerando que a decisão do atual Governo é “uma medida político-partidária de desinvestimento no SNS e que representa um retrocesso”.
Esquerda fala em “privatização encapotada”
A expressão é do PCP, relembrando o processo agora ressuscitado que fora travado pela “intervenção firme” do partido em conjunto com a “mobilização da população tirsense”. Os comunistas sublinham que aquilo que está em causa não é “apenas uma mudança de gestão”, mas sim um “projeto político de desmantelamento do SNS”.
“A entrega da gestão de hospitais a IPSS não é mais do que uma forma disfarçada de privatização, com os recursos públicos a sustentarem o setor privado, em detrimento do reforço das infraestruturas e das condições de trabalho no SNS”, argumenta o partido, em nota de imprensa, reafirmando o seu “compromisso inabalável com a gestão pública do Hospital de Santo Tirso e com a construção de um novo hospital, como parte integrada de um SNS universal, público e gratuito”.
Para o BE, esta decisão do Governo liderado por Luís Montenegro demonstra que o primeiro-Ministro “não descarta a sua herança política dos tempos da troika”, desenterrando “este projeto de destruição apressada do SNS”.
“A passagem de competências fundamentais do Estado para o setor privado e para o terceiro setor representa, não só, uma desresponsabilização enorme do papel do Estado das suas funções sociais, como também a transformação de um serviço público num negócio apetitoso para os atores privados”, alegam os bloquistas, assegurando desde já a luta pela gestão cem por cento pública do hospital de Santo Tirso.