O orçamento do estado recentemente aprovado por PSD/CDS e caucionado pelo PS, corresponde a um retrato fiel de uma economia capturada pelos interesses do grande capital e incapaz de prosseguir uma estratégia independente que promova o verdadeiro progresso social.
Na teoria, o sistema tributário deveria redistribuir a riqueza, taxando progressivamente os rendimentos e promovendo a justiça social. Na prática, contudo, a estrutura fiscal concentra-se excessivamente nos impostos indiretos, como o IVA, cuja carga recai pesadamente sobre os trabalhadores, enquanto a tributação que incide sobre o rendimento das empresas, que é a do IRC, tem um peso bastante reduzido. Em vez de taxar o capital de forma justa, o governo insiste em reduzir o IRC sob o pretexto de atrair investimento e aumentar o crescimento económico, uma ideia que já provou ser infrutífera (entre 1996 e 2024, a taxa nominal de IRC passou de 36% para 21%). Face ao nível de concentração de capital da nossa economia, um número reduzido de grandes empresas é responsável por mais de metade da receita de IRC, nomeadamente o sector da banca, seguros e comércio por retalho. São as grandes empresas desses sectores que vão beneficiar com a redução do IRC. Nem por acaso, as tais grandes empresas que apresentam centenas de milhões de euros de lucros anuais e que os distribuem em dividendos para fora do país, enquanto absorvem mais de metade dos benefícios fiscais (cerca de mil milhões por ano). Assim, enquanto os trabalhadores suportam o peso dos impostos e a precariedade dos salários, o grande capital segue ileso, protegido por uma política de redução de IRC e alargamento de benefícios fiscais, transformando-se o Estado num mero “comitê de auxílio dos negócios do grande capital”. Quanto à medida do IRS Jovem, uma aparente conquista para os jovens trabalhadores, é, na realidade, o exemplo claro de um presente envenenado que visa beneficiar poucos (um futebolista profissional que aufira mais de um milhão de euros poderá poupar ao fim dos 10 anos de isenção 150 mil euros) para atacar a função redistributiva do Estado, reduzindo em cerca de 800 milhões de euros anuais a receita fiscal. Se tivermos presente que essa quantia seria mais do que suficiente para criar uma rede pública de creches capaz de suprir a carência de vagas que hoje se verifica, então torna-se evidente que em vez de ser uma ferramenta de emancipação, o sistema tributário está convertido numa máquina de perpetuação de privilégios.
Da mesma forma, o discurso governamental sobre o investimento público esconde a verdade dos números. Apesar de estarmos num momento crítico, com fundos comunitários a fluir para os cofres nacionais, o investimento público permanece em números irrisórios em percentagem do PIB. A obsessão pela ideia de que um excedente orçamental é sinónimo de saúde económica revela-se, na verdade, um engodo, asfixiando o investimento em setores essenciais. O nível de investimento público é insuficiente para compensar o desgaste das infraestruturas e dos serviços básicos, condenando o país a uma degradação gradual que se torna visível a cada comboio atrasado, a cada hospital sobrelotado, a cada investigador precário.
Portugal precisa de uma transformação para deixar de ser uma marioneta nas mãos do capital, de forma a mobilizar os nossos recursos, eventualmente do excedente orçamental, mas até mais do que isso, para promover o investimento público onde é necessário, designadamente em transportes, no novo aeroporto, no desenvolvimento da alta velocidade ferroviária, em ciência e tecnologia, nos laboratórios de Estado e no conjunto de equipamentos e infraestruturas que reforcem a capacidade técnica do Estado, impedindo a privatização desenfreada que ameaça as infraestruturas e serviços básicos. Ao mesmo tempo, necessitamos de um sistema fiscal justo que sirva as pessoas, não o capital. Só assim podemos romper o ciclo de dependência e subjugação, avançando para uma sociedade mais justa e livre, onde o bem-estar coletivo se sobrepõe ao lucro de uns poucos.