Com menos de 20 dias para as eleições norte-americanas, os debates presidenciais e vice-presidenciais já aconteceram. Com a substituição de Joe Biden por Kamala Harris, a qualidade dos democratas nos debates aumentou substancialmente. Contudo, o debate presidencial entre Harris e Trump não deixou de ser uma troca de acusações e tentativas de defesa entre os candidatos. Em contraste, o debate entre os vice-presidentes destacou-se pela sua cordialidade.
Tim Walz, o candidato democrata, iniciou o debate de forma tímida, com dificuldades no discurso, desmotivando inicialmente os apoiantes democratas que assistiam. Isto foi contrastado com o candidato republicano JD Vance, que se apresentou bem preparado e confiante, com respostas quase automatizadas. Vance enfrentava uma missão difícil: defender Trump, distanciando-se do passado recente, no qual não apoiou o ex-presidente e foi até crítico do mesmo. Como não lhe interessava abordar um passado difícil de justificar, tentou desviar a atenção para o futuro, enfatizando a necessidade de deixar o passado para trás. Isso teve um efeito surpreendentemente positivo porque possibilitou que o debate se focasse numa discussão mais centrada em ideias para o presente e futuro, e menos em troca de acusações.
Apesar do seu desempenho inicial, Walz melhorou ao longo do debate. No entanto, o seu posicionamento ficou aquém, pelo menos no que imagino ser uma esquerda americana, apresentando a sua campanha como defensora de mais restrições na fronteira. No entanto, foi bastante competente ao destacar e explicar a hipocrisia da extrema-direita, que utiliza o tema da imigração como arma eleitoral, enquanto se opõe a soluções concretas no Congresso. Vance, fiel à retórica da sua campanha, continuou a apontar os imigrantes como a raiz de todos os problemas, desde a insegurança ao aumento dos preços das casas. Walz, por sua vez, atribuiu o aumento dos preços a especuladores de Wall Street, um argumento que gostaria de ter visto mais aprofundado, mas que foi tratado de forma superficial.
Um dos momentos mais fraturantes do debate ocorreu quando se discutiu o tema das creches e do apoio às famílias. Vance defendeu que garantir cuidados para crianças implicava aumentar os salários dos homens (embora não o tenha dito de forma tão direta), permitindo que as mães pudessem ficar em casa. Esta abordagem, que ignora claramente a realidade da partilha de responsabilidades parentais, levantou questões sobre o papel das mulheres e homens no cuidado dos filhos. Walz, ao contrário, abordou a necessidade de aumentar a licença parental e partilhou a sua experiência pessoal, levando a conversa sobre cuidados dos filhos também para os homens, uma discussão que há muito merecemos ter.
A questão da democracia também foi debatida, com Walz a criticar Trump pela sua recusa em aceitar os resultados das últimas eleições, o que culminou na invasão do Capitólio a 6 de janeiro de 2021. Vance, por sua vez, tentou-se distanciar desse passado, mas a sua resposta levantou a questão, colocada por Walz: seria ele mais fiel ao povo americano ou a Donald Trump? Isto porque Walz lembrou, e bem, que Trump não repetiu o parceiro de corrida anterior e ex-vice-presidente Mike Pence. Pence aceitou os resultados eleitorais de 2020, tendo sido por isso afastado por Trump.
No geral, JD Vance mostrou-se um candidato republicano bastante forte para futuras eleições. Walz respondeu ao eleitorado democrata, mas aprofundou pouco os assuntos e argumentos que poderiam ter um maior efeito na esquerda americana.
Vários temas foram abordados, como alterações climáticas, emprego, saúde, a invasão da Palestina por Israel e armamento, mas com uma civilidade que, infelizmente, surpreende nos dias de hoje. No entanto, é evidente que as ideias debatidas continuam a ser altamente polarizadas, sempre num contexto que é incapaz de fazer alguma crítica ao capitalismo e à busca por uma organização social diferente. Apesar disso, é um debate que vale a pena assistir.