[Reportagem] A terapêutica do Amieiro Galego faz-se ao ar livre

ATUALIDADE DESTAQUE

Em Dia Mundial da Água, Entre Margens foi conhecer os ‘banhistas’ que procuram nas águas termais do Amieiro Galego soluções terapêuticas para problemas variados através de fontes e chuveiros improvisados. Local histórico procura uma definição concreta de futuro.

Condição intrínseca ao território geográfico de Vila das Aves é a íntima relação com a água. Esta “península”, como descreve Adélio Castro nas suas crónicas, partilha mais extensão de fronteira com o Ave e o Vizela do que com qualquer outro vizinho terrestre e a história demonstra que desde tempos idos, muitos perdidos na memória coletiva dos antepassados, a água como elemento agregador da comunidade. E em comemoração do Dia Mundial da Água, que se celebra a 22 de março, é precisamente essa relação que importa vincar.

O Amieiro Galego é um exemplo simbólico através de uma dupla função: está ligado à expansão da indústria têxtil através da central hidroelétrica, cumprindo uma função económica, mas cumpre também uma função social através da fonte de água termal que ainda hoje, em pleno 2023, continua a fascinar banhistas improvisados.

Carlos Valente conhece como poucos o historial do Amieiro Galego. Enquanto presidente da junta de freguesia de Vila das Aves esteve empenhado no processo de aquisição dos terrenos e de criação do parque de lazer. Agora, enquanto mero cidadão, vê-se impelido a ‘voltar’, ao local e às suas águas, por razões terapêuticas.

O atual presidente da direção da Associação dos Bombeiros Voluntários de Vila das Aves sofre de uma doença de pele autoimune que ocorre quando o sistema imunológico ataca a pele, provocando bolhas grandes e áreas de pele inflamada. Uma situação que o levou mesmo ao hospital de São João, no Porto.

É aqui que entram as águas do Amieiro Galego. O tratamento médico envolve corticosteroides, mas o mal-estar devido aos seus efeitos no corpo levaram Carlos Valente a lançar-se à aventura. São muitas as pessoas que ao longo dos anos, e ainda hoje, visitam o espaço na margem esquerda do rio Ave em busca das propriedades terapêuticas de águas de origem termal, sendo precisamente os problemas de pele aquele com mais reputação.

“Na verdade, decidi experimentar, não tinha nada a perder”, explica Carlos Valente em conversa com o Entre Margens. “Estava a ir ao Amieiro Galego praticamente todos os dias durante cerca de três meses. Confesso que já noto a diferença”.

A rotina nem sempre era fácil. Consigo leva uma bacia e um banco que coloca na plataforma em frente aos antigos balneários termais. Enche-a com água e durante cerca de quinze minutos esfrega os pés, as pernas, os braços e as mãos. Depois, liga uma mangueira que presa na grade de proteção, tira a t-shirt e em calções de banho desce à plataforma inferior onde se mete debaixo da água a correr. Entretanto, Adílio Pinheiro, da junta de freguesia, já improvisou um chuveiro para facilitar a vida.

“Quando saio de lá, sinto um grande alívio”, confessa. Mesmo durante os dias mais intempestivos do inverno, com o feroz caudal do rio a criar uma espécie de muralha de água à sua volta, cumpria a rotina religiosamente porque notava os efeitos benéficos visíveis a que a temperatura da água, a cerca de 20ºC, o permitia.

“Há muita gente que procura o Amieiro Galego para fazer este tipo de tratamentos, desde há muitos anos. Da última vez que lá estive, encontrei um sujeito de Fafe que me disse que vinha ali de propósito, de vez em quando, para tomar banho. Muita gente até de garrafão vai para levar a água para casa”, disse.

Notas para a história do (des)aproveitamento de uma nascente termal

A nascente sulfurosa do Amieiro Galego é conhecida há muito. A referência mais antiga que é conhecida é de 1860, quando foi feito um inventário das águas minerais do Reino. Aí é descrita como um “poço para banhos” e definido como “nascente de água sulfúrea, de temperatura e composição ainda não estudada”.

Em junho de 1922, o jornal “Ecos de Negrelos”, trazia notícia da abertura ao público das “Caldas de S. Miguel das Aves”, no lugar do “Lameiro Galego” e revelava “o efeito prodigioso que as esplêndidas águas produziram no ano que passou”. Deveria dispor de instalações rudimentares à semelhança do que eram a maioria das termas antes do aparecimento, por volta de 1850, de termas modernas com supervisão médica. Taipas, Vizela e Caldas da Saúde viveram esses tempos áureos, que determinaram o seu crescimento e evolução.

O Padre Joaquim da Barca, na monografia que escreveu em 1953, refere-se a um período anterior ao da notícia do Ecos: “têm as Aves, no lugar do Amieiro Galego, uma abundantíssima nascente de águas sulfurosas que muitos têm usado com feliz êxito contra o reumatismo, sífilis, feridas e doenças de pele. Noutros tempos, antes da construção da Central Elétrica do Amieiro Galego, em 1908, houve lá um rudimentar balneário com bastante freguesia. Eu também me vali dele em dois anos. E não perdi o tempo nem o dinheiro.”

Nos finais da década de 1950, por iniciativa dos proprietários da empresa Sampaio Ferreira, de Riba d’Ave, à época detentores da central elétrica e dos terrenos da margem esquerda, houve notável transformação. “Tendo conhecimento de que as referidas águas estavam a ser utilizadas por grande número de doentes que desde o romper do dia, mesmo sem condições de acondicionamento devidas, resolveram levantar ali mesmo um pavilhão ainda que provisoriamente apetrechado com cabines e requisitos sanitários indispensáveis e aberto com êxito ao público. As novas instalações de água quente levaram apreciável número de banhistas às novas termas. Tal sucesso, leva a que a gerência de Sampaio Ferreira & Ca. Lda. cedesse a exploração das referidas águas à Fundação Narciso Ferreira”.

Esta citação foi retirada do livro do Dr. Aurélio Fernando, Riba d’Ave de Entre Ambos os Aves e parece poder ler-se, nas entrelinhas de todo o texto, a intenção de levar as águas para Riba d’Ave. Na época em que se criou o balneário houve também um investimento importante da Junta de Freguesia na abertura de acessos adequados.

O balneário construído nessa altura é descrito assim pelo site do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que agrega toda a informação sobre termas: “uma construção simples, dividida em duas partes iguais, correspondentes à zona de banhos femininos e masculinos. Cada uma destas zonas é composta por três cabines com banheiras e uma cabine de duche, que comunicam para um corredor ao fundo do qual se encontra uma sumária instalação sanitária”.

Não consta que, mesmo durante o período em que o funcionamento das “termas” foi da responsabilidade da Fundação e até tinha médico responsável, tenha sido obtido alvará de licenciamento de estabelecimento termal.

A partir de 1975 foi a Junta de freguesia de Vila das Aves que se encarregou da abertura dos balneários ao público, por acordo com a Fundação Narciso Ferreira. Durante cerca de 25 anos e em condições cada vez mais precárias, as águas sulfúreas do Amieiro Galego serviram a população, com os balneários a funcionar no verão.

A última época balnear foi 1999, tendo sido proibida a sua abertura posterior na sequência de um pedido de informação, solicitado pelo Movimento Cívico, sobre a qualidade da água. A proibição foi a “machadada” final na ilusão de existência de termas no Amieiro Galego.

Por essa altura, nos projetos megalómanos da primeira ilusão para a Quinta dos Pinheiros, sonhou a Fundação Augusto Garcia trazer para aí as águas e criar termas a sério.

Em 2004, a Junta de Freguesia de Vila das Aves solicitou abordou os departamentos oficiais responsáveis para “apurar as potencialidades de exploração da referida nascente, que foi durante um largo período de tempo explorada ilegalmente como termas”. Poderia ser feita a exploração da água mesmo não tendo a posse do terreno. Mas as condições são gravosas. Ler o relatório do INETI pode ajudar a perceber o que está em causa.

Em dezembro de 2009, a Junta de Freguesia tornou-se proprietária do terreno onde se situa a nascente e posteriormente do terreno a sul, criando-se o Novo Parque do Amieiro Galego. A nascente de água sulfurosa está permanentemente acessível e muita gente continua a procurar a água.

Desde então, as propostas para um melhor aproveitamento da fonte termal têm sido muitas, mas conhecidos os elevadíssimos custos que qualquer projeto de complexo termal no local pode chegar, as soluções terão que ser forçosamente mais minimalistas.

O PCP, sobretudo através Manuel Beja Trindade, tem sido um proponente incansável da criação de uma piscina de água sulfurosa no terreno contíguo ao Parque do Amieiro Galego, da antiga Previfer. Uma proposta inclusive já apresentada ao presidente da câmara e que fez parte do prospeto eleitoral comunista das últimas autárquicas, mas que incorre no mesmo problema: custos do investimento e burocracia relativa ao licenciamento da água termal para uma utilização “oficial”.

Daí que talvez, um caminho mais sensato a enveredar possa ser uma intervenção mínima no local que possibilite um usufruto da água sem entraves, proporcionando um mínimo de conforto e segurança, a exemplo do que sucede na vizinha Galiza.

Com um pouco de imaginação e sem grande investimento, num contexto de acesso livre, talvez fosse possível tornar o Amieiro Galego numa atração local, seja para quem precisa terapeuticamente, seja para quem deseja apenas disfrutar das suas qualidades.

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