[Opinião] Escolhas de classe

CRÓNICAS/OPINIÃO João Ferreira

Nos últimos dois anos, os trabalhadores foram brindados com comoções mediáticas e palmas às janelas, enquanto socorriam doentes, combatiam a propagação da COVID-19, e garantiam os serviços essenciais ao nosso modo de vida. Vozes próximas do PS afirmavam com pompa e circunstância que aqueles que hoje eram essenciais não voltariam a ser descartáveis. Em linha com a sua prática recente, a promessa não resistiu à primeira perturbação, designadamente à crise do aumento do custo de vida.

Face ao aumento dos preços, a expectativa é a de que os trabalhadores – cujos salários não acompanhem a inflação – possam sofrer uma redução do poder de compra equivalente a um mês de salário (o poder de compra dos trabalhadores diminuiu, em média, 15% desde 2009). Recuando até ao início do ano, a gasolina subiu 18 vezes e o gasóleo sofreu aumentos 15 vezes. As empresas de energia anunciam aumentos de dezenas de euros num país em que 2 milhões pessoas não tem possibilidade económica para aquecer a casa convenientemente. O preço do cabaz de bens alimentares essenciais aumentou 12,40%, sendo que abastecer a despensa pode atualmente custar mais de 206 euros, de acordo com estimativas da DECO.

Tal realidade (aumento dos preços e quebra do poder de compra), apresentada como inevitável a pretexto da guerra na Ucrânia e principalmente das sanções, acontece em simultâneo aos anúncios em catadupa dos aumentos obscenos dos lucros dos grupos económicos que comercializam os produtos que mais contribuem para o aumento da inflação. Olhemos para a GALP, para a EDP e para a Banca, bem como para a grande distribuição, Sonae, Pingo Doce e outros que tais, todos eles a encher os bolsos. Só como exemplo: os seis maiores bancos portugueses registaram lucros de 617,4 milhões de euros nos primeiros três meses do ano. A Jerónimo Martins como a Sonae, cresceram sempre acima dos 45%, enquanto a EDP distribuiu dividendos superiores a 750 milhões de euros. Só em 2021, dezanove grandes grupos económicos acumularam lucros líquidos de mais de 5,1 mil milhões de euros. É uma crise do custo de vida para muitos, mas uma época de bonança para poucos.

“Repetidamente, o Governo do PS, aliado à direita, faz a sua escolha ao favorecer a manutenção dos privilégios dos grandes grupos económicos, embora o tente ofuscar com o anúncio de truques e medidas paliativas”

A resposta a esta crise será, novamente, resultado de uma escolha: Queremos um país em que, numa lógica sacrificial, de crise em crise, os sacrificados sejam sempre os trabalhadores e o povo em detrimento de uma minoria abastada ou um país organizado para satisfazer as necessidades sociais da maioria, especialmente dos mais susceptíveis aos efeitos das crises?

Repetidamente (com um breve interregno de 2015-2020), o Governo do PS, aliado à direita, faz a sua escolha ao favorecer a manutenção dos privilégios dos grandes grupos económicos, embora o tente ofuscar com o anúncio de truques e medidas paliativas. Enquanto outros governos europeus, inclusive seus congéneres, anunciam passes gratuitos para os transportes públicos (Espanha), avançam com taxas sobre os lucros extraordinários das empresas de energia (Alemanha), e até liberais, como Macron, nacionalizam a 100% a principal empresa elétrica do país para controlar os preços (EDF), o Governo do PS opõe-se a qualquer uma dessas medidas. Não assume políticas que ponham travão ao aumento dos preços dos bens essenciais (regime de preços máximos), que recuperem o controlo público de empresas estratégicas, que travem os lucros especulativos ou que aumentem a sua tributação, e que incentivem ao aumento generalizado de salários de modo a restituir o poder de compra perdido. Em suma, não enfrenta os grandes grupos económicos para favorecer a maioria.

Não há tempo para mais ilusões (para quem ainda as tinha). É hora de nos organizarmos e lutarmos por nós mesmos pelo aumento dos salários, contra a especulação.

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