[Opinião] “Portugal é uma terra de liberdade. Não é Moscovo”

CRÓNICAS/OPINIÃO José Manuel Machado

A Câmara de Lisboa entregou dados pessoais, nomes, moradas e contactos, de manifestantes anti Putin às autoridades russas. Esta atitude, que se arrasta desde os tempos em que o agora primeiro ministro, António Costa, era presidente da Câmara de Lisboa, está em manifesta oposição com o legado do fundador do seu partido, Mário Soares, que na Marinha Grande, em 14 de janeiro de 1986, dizia em alto e bom som que “Portugal é uma terra de liberdade. Não é Moscovo”.

Quando falamos da Rússia e de Vladimir Putin, temos de perceber com quem é que estamos a lidar. O presidente russo é exatamente aquele que há dias apareceu ao lado de Lukashenko, a demonstrar-lhe todo o apoio por este ter ordenado o desvio de um avião da União Europeia para território da Bielorrússia, com o propósito de julgar um jornalista incómodo ao regime. Os cidadãos que por cá se manifestaram correm agora o mesmo risco do jornalista Protosevich.

Ao nível interno, António Costa referiu-se ao tema como sendo um caso “meramente administrativo” e que não havia responsabilidades políticas a retirar porque era “um assunto de balcão”!

Não Senhor Primeiro-Ministro, são questões políticas e matérias legais, porque na era digital a proteção de dados é ainda mais importante do que nunca!

Custa-me muito ver, quer o primeiro-ministro quer o Presidente da República, desvalorizarem o assunto como se fosse uma mera questão técnico-administrativa.

“Como é possível que ninguém saiba o suficiente sobre o regulamento geral de proteção de dados?”

José Manuel Machado

Não compete à câmara é partilhar dados pessoais dos organizadores e muito menos pôr ao corrente o Ministério dos Negócios Estrangeiro russo. É absolutamente impensável que uma qualquer entidade do estado se possa corresponder diretamente com um Ministério dos Negócios Estrangeiros de um qualquer outro país. É algo que não passava pela cabeça de mais ninguém até hoje. Portanto, também há aqui uma responsabilidade do próprio Estado. Estamos perante responsabilidades de várias naturezas. Responsabilidades contraordenacionais, civis e penais. Foram violados os quatro princípios fundamentais do Regulamento Geral da Proteção de Dados, o princípio da licitude, lealdade e transparência, o princípio das finalidades, o princípio da minimização dos dados e o princípio do direito à informação. A câmara de Lisboa tão pouco solicitou o consentimento prévio a algum ativista para a transferência dos dados que lhe foram confiados. Só aqui poderão estar em causa muitos milhões de euros em coimas. Depois vem a responsabilidade civil da câmara. A câmara tem de responder por aquilo que podem ser os danos emergentes e lucros cessantes, que podem existir na vida destas pessoas face à divulgação e transferência de dados pessoais. Restam ainda as responsabilidades penais, porque estamos perante penas que podem ir até oito anos de prisão e mil e duzentos dias de multa, nos termos da lei de execução nacional do Regulamento Geral sobre a proteção de dados, que prevê crimes especialmente agravados, neste caso: Utilização de dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, Desvio de dados e Violação do dever de sigilo.

Aplicam-se aos agentes intervenientes no processo, que não são os “balcões”, tal como nos quis fazer crer o primeiro-ministro. Os balcões são de madeira ou de acrílico, não tomam decisões. Quem toma decisões são as pessoas, são os decisores.      

A Câmara Municipal de Lisboa tem um executivo presidido por Fernando Medina, 9 vereadores a tempo inteiro, 13.068 funcionários, 322 dos quais são advogados e juristas efetivos no quadro. Como é possível que ninguém saiba o suficiente sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados?

Não basta por isso a realização de um inquérito interno para se apurarem os responsáveis, a câmara não é autónoma para decidir de todo o direito. A Comissão Nacional de Proteção de Dados, o Ministério Público, os Tribunais, têm que agir para apurar responsabilidades objetivas da câmara de Lisboa.

Enquanto tal não acontece, amanhã será mais um dia de pagamento dos 4.500 euros mensais ao responsável pelas comemorações do 25 de Abril de 2024, que vão estender-se até 2026, Fernando Medina continuará no seu cargo de presidente da câmara de Lisboa, e o PS a subir nas sondagens!       

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