[Opinião] Gaza e a vergonha de nomear

Hugo Rajão

“É ou não é genocídio? Eis a questão!” Não, não é questão.

Induzir uma falsa controvérsia é um truque antigo de debate. Ocorre sobretudo quando um dado factual é de tal maneira avassalador, que resta pouco mais àqueles a quem a constatação da realidade não convém do que desviar a discussão para outro ponto. O objetivo é que este novo ponto, cuja natureza permite maior discussão, seja apresentado como equivalente ao ponto essencial que se pretende camuflar. De maneira a que negar um pareça o mesmo, mesmo que não o seja, do que negar o outro.

É um truque de retórica falacioso, eficaz, sem dúvida, mas falacioso.

O mesmo truque tem sido aplicado relativamente ao genocídio em curso do povo palestino em Gaza, às mãos de Israel.

Perante a atrocidade que nos entra pelos olhos adentro, a esperança na humanidade reside em todos aqueles que de uma maneira ou outra a denunciam, reclamando responsabilidades aos seus perpetradores. Ao fazê-lo, designam o crime em causa e o seu nome – e o seu nome é genocídio.

O crime tem um peso histórico tal que é facilmente inteligível para todos, mesmo os mais desatentos, impossibilitando-os de se remeterem à indiferença.

Mas há os que, querendo negar as evidências, mas vendo-se impossibilitados para esse desidratado, se socorrem do truque supracitado.

O regime de Netanyahu, em Gaza, desaloja, desloca e mata um povo. Alguém o pode negar? Não, então só lhes resta embirrar com a palavra que os denunciadores usam para descrever este conjunto de atos.

Por outras palavras, não podem negar o que se trata, mas podem tentar dizer que aquilo que se trata não se trata de um “genocídio”.

Com isto, descolocam o ponto essencial para uma discussão meramente técnica, do domínio jurídico-linguístico.

Assim procuram que a opinião pública caia numa armadilha argumentativa: Um genocídio é grave; se isto não for um genocídio então não é grave (ou pelo menos tão grave como o pintam). É o que pretendem que assimilemos.

Vamos então supor que têm razão quanto a uma parte do raciocínio que nos apresentam. Para efeitos académicos, imaginemos que o está a acontecer em Gaza não reúne todos os predicados que o conceito de “genocídio” exige.

O que muda? O povo Palestiano está ser deliberadamente desalojado, deslocado e morto. Se isso não couber no conceito de “genocídio”, então torna-se menos grave? Faz com que a realidade seja radicalmente diferente? Claro que não.

E eles sabem-no. O truque tem um duplo propósito: relativizar o mal e atirar-nos areia para os olhos.

Em Gaza há um genocídio em curso. Podem querer apagar o nome, mas o sangue que têm nas mãos ficará.

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