[Editorial] O tio da Trofa

CRÓNICAS/OPINIÃO Diretor

A Trofa inaugurou os paços do concelho com pompa e circunstância e Marcelo Rebelo de Sousa evocou a criação do município, a oposição de Santo Tirso e dos socialistas e o papel de Marques Mendes, que definiu como obsessão. Recorde-se que, há pouco mais de duas décadas, Marcelo liderava a oposição ao governo socialista e o político natural de Fafe era o líder da bancada parlamentar do PSD.

A recordação foi tão expressiva que incluiu a sugestão de passar a tratar o atual comentador como tio da Trofa, para não dizer abertamente aquilo que muitos, há muito, referem: Marques Mendes foi “o pai da Trofa”.

Marcelo revelou que conhecia a ligação Trofa a Fafe, ligação estreita de via mas centenária que tem a particularidade de passar por Vizela. Mas, quando referiu que a criação do Município da Trofa foi “caso praticamente único de iniciativa de cidadãos, participação e vitalidade democrática”, o presidente esqueceu Vizela e a sua luta tenaz, musculada e acirrada pela criação do seu concelho. Guterres e o PS tinham prometido apadrinhar Vizela e o cumprimento da promessa abriu a janela de oportunidade aproveitada pela Trofa com perspicácia, alguma movimentação popular e a muleta do PSD pela via de Marques Mendes.

Não tivesse havido município em Vizela e não haveria na Trofa. Foi da guerrilha partidária que surgiu a oportunidade e quem acordou mais tarde, mesmo que tivesse argumentos com razoabilidade e pertinência e cumprisse os critérios entretanto definidos, viu o seu processo remetido para as gavetas da história. Veja-se o movimento Terras do Ave e a luta de Canas de Senhorim.

“Nos tempos que agora correm, em que a gestão da coisa pública cristaliza no seio dos aparelhos partidários, à inércia acrescenta-se inépcia e não mais se vislumbrarão casos de ‘participação popular’ como os que tiveram Vizela e Trofa”

Na realidade nunca foram decisivas as aspirações democráticas de autonomia dos cidadãos e as razões objetivas das suas lutas, mas as lutas pelo poder e sua manutenção nos sistemas instalados. O mesmo aconteceu mais tarde, com as agregações de freguesias, impostas do alto do poder, com argumentos inconsistentes e sem auscultação efetiva da população. E o mesmo acontece agora, com as decisões sobre as eventuais desagregações de freguesias a serem votadas pelas atuais uniões e não pelas populações que viram a sua autonomia destroçada.

A inércia é a lei da física que explica esta forma de atuar: sem uma força exterior não é possível alterar o estado de repouso ou de movimento de um sistema. Vizela e Trofa tiveram o seu momento histórico e aproveitando-se dele, venceram a inércia intrometendo-se nos jogos de poder das forças partidárias da época.

Nos tempos que agora correm em que a gestão da coisa pública cristaliza no seio dos aparelhos partidários, à inércia acrescenta-se inépcia e não mais se vislumbrarão casos de “participação popular” como os que tiveram Vizela e Trofa. A militância é reduzida e circunscrita aos eleitos, as sessões públicas dos órgãos de poder autárquico não tem audiência, o escrutínio é reduzido e as eleições pouco participadas.

 A falta de projetos para os fundos europeus e a morosidade da sua aplicação são a demonstração da inépcia atual e justificaram o “ralhete” de Marcelo à ministra presente na cerimónia. Mas, coitada da ministra, desarmada e em ambiente hostil: o plano de destaque ali era para o verdadeiro padrinho da Trofa num encontro que celebrava uma vitória numa batalha de uma antiga guerrilha partidária pelo poder.

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