O que esta semana trago aqui para reflexão é um tema já com algumas semanas, mas não podia deixar de falar nele, pois para mim é demasiado grave para desaparecer na espuma dos dias.
A pandemia do COVID-19 acordou o país para o flagelo que é a vida daqueles que trabalham na agricultura no litoral Alentejano, todos imigrantes que vieram para Portugal à procura de uma oportunidade de melhorar as suas vidas e dos seus. Muito semelhante ao que ocorreu aos Portugueses que, nas décadas de 50 e 60 do século passado foram para França, Alemanha.
Há muito que se sabia que, a população migrante nas zonas do Oeste Alentejano já era tanta quanto os naturais de lá. Há muito que se suspeitava que no meio de tanta gente migrante deveria haver situações de explorações e abusos, que eventualmente não teriam as condições que um qualquer trabalhador europeu exigiria. “Afinal eles vêm para cá fazer os trabalhos que ninguém quer”, era o que se ouvia.
O que não se sabia é que as autoridades locais e nacionais faziam vista grossa a verdadeiras situações de violação dos direitos humanos, tráfico humano, exploração laboral e condições indignas de sobrevivência.
Não sabíamos que, a começar pelas autoridades locais fechavam os olhos ao que se passava, os proprietários agrícolas aproveitam esta mão-de-obra intensiva a baixo preço e extremamente obediente, os donos das casas aproveitavam para alugar casas a 2300€/mês com 10 pessoas por quarto.
A explosão de casos de COVID-19 colocou a nu este flagelo, mostrou que o nosso Portugal de pessoas acolhedoras e brandos costumes aproveita-se da miséria e desespero de pessoas que fogem à fome.
Rapidamente assistimos ao espanto de toda gente, ninguém sabia de nada e ninguém podia fazer nada. O passa culpa passou dos autarcas locais para os empresários agrícolas e para o Governo. O SEF disse que já tinha alertado para a situação e instaurado 34 inquéritos, mas não tinha meios para mais.
No fim de contas temos milhares, de migrantes a trabalhar e a viver em condições sub-humanas.
Vitimas de redes de trafico humano com corredores de migrantes da Asia e da Roménia para Portugal onde criam “empresas na hora”, aproveitando as brechas que a lei dá para fazerem contratos de trabalho a 635€/mês, mas depois cobram 10.000€ para os trazerem para cá, mais a renda dos quartos, mais documentação, gerando dividas impagáveis e onde os trabalhadores recebem apenas 3€/hora e se chover não trabalham, logo não recebem. Fecham as empresas e abrem outras deixando desamparados esses trabalhadores, sem descontos para a segurança social e sem possibilidade de se legalizarem em Portugal.
Esta bomba estalou em plena altura das comemorações do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, seria um momento ideal para que as nossas centrais sindicais fizessem valer a voz que têm no país e pressionassem para que este flagelo termine. Mas não, preferiram fazer os seus desfiles na Av. Da Liberdade e reivindicar ao governo que os patrões a paguem a conta da água, da luz e da internet aqueles que estão em teletrabalho. Perante a situação tornou-se um pormenor.
Este acontecimento só veio evidenciar que o movimento sindical em Portugal está desfasado da realidade que o país atravessa e actua numa atitude meramente corporativa à boa imagem do Estado Novo: defender os nossos.
Porque estes trabalhadores migrantes não tiveram a mesma atenção que os trabalhadores da TAP, da Carris, dos professores? Talvez porque não votam em Portugal? Não elegem logo não merecem ser defendidos pelos eleitos.
É muito triste quando vemos que a reação dos sindicatos e do PCP se reduziram e meros lugares comuns de “temos de terminar com esta situação de exploração” e meter uns requerimentos na Assembleia da Republica. Honra seja feita, o Bloco de Esquerda foi o único partido que não se limitou a pedir a cabeça de um ministro, mas sim a dizer que este é um problema estrutural da imigração em Portugal e tem de ser atacado de uma forma transversal, desde a legislação incipiente até à fiscalização que não funciona.
Para terminar não podemos esquecer que a montante deste problema temos a questão ambiental, que está a destruir as reservas naturais do litoral alentejano e que trarão graves problemas ambientais para aquela zona. Basta ver o que se passa no sul de Espanha, onde a produção intensiva de horticulturas e fruticulturas provocou enormes problemas de seca.
Talvez ainda iremos a tempo de fazer alguma coisa que se aproveite.