Desenhar borboletas por não poder voar com elas

RETROSPETIVA

[TBT – Retrospetiva] A paixão mais recente de um picheleiro de 59 anos, que passou do parapente à fotografia e desenho de borboletas, com incursão pelos cogumelos. 

“Eu gosto de desafios”, diz Alfredo Gomes Martins em conversa descontraída na redação do Entre Margens ( junho de 2018). Consigo trouxe o livro “As Borboletas de Portugal” de Ernestino Maravalhas que identifica as espécies. E as suas máquinas fotográficas, um caderno de desenhos e um sem número de detalhadas fotografias dos belos insetos voadores.

Alfredo é um contador de histórias nato, em qualquer formato que se possa imaginar. É um excelente conversador e os contos das suas aventuras pela natureza podem encher facilmente um livro. Mas é também um contador de histórias visuais através do obturador da sua câmara, do traço dos seus desenhos ou da arte das suas criações manuais. Algumas destas vertentes têm que ficar para uma outra ocasião. E quando durante a nossa conversa disse, “eu quero fazer um livro”, não surpreendeu.

Natureza e arte. Curiosidade sobre tudo o que o rodeia. Lembra-se “perfeitamente dos desenhos que enchiam a página” que fazia com seis anos. Faz parapente há 20 anos, agora não tanto como desejaria por problemas físicos, mas afirma com toda a melancolia expressa na voz: “Eu toda a vida sonhei voar e quando surgiu essa oportunidade não a larguei. Antes, ia para a pesca com os meus irmãos e nunca mais pesquei. E foram os voos que me levaram para a natureza.”

Tem Montalegre, Trás-os-Montes, como segunda casa. E foi lá que o seu amigo José Manuel, “naturalista extraordinário”, que já lhe tinha metido o bichinho dos cogumelos, um dia lhe ofereceu o famoso livro do Maravalhas e partir daí nunca mais olhou para trás. “Foi o entusiasmo dele que me atraiu, mas ele também sabe como eu sou viciado e levo as coisas a sério.”

Desde 2016 que anda em busca de borboletas. Só no ano passado fotografou 83 espécies diferentes. Na Vila das Aves, diz, já descobriu 25 espécies diferentes. Fotografou o Rio Leça de fio a pavio. “Vou sempre com a minha esposa, durante a semana aqui ou acolá nas redondezas, ao fim de semana, de mota ou de carro, vou para fora. Até aqui era ver para onde ia voar, agora são as borboletas.”

Vai para o terreno, fotografa, identifica, cataloga meticulosamente sob o seu nome científico e desenha cada uma delas com o maior pormenor possível, pintando-as a lápis de aguarela “caran d’ache”. Basta colocar lado a lado para verificar as similitudes e o que faz de cada borboleta única e definível. 

Um homem dos sete ofícios, ou pelo menos dos múltiplos interesses, numa procura incessante pelo conhecimento. “Fui sempre impulsionado para conhecer. Sou muito curioso. E quando me interesso por algum assunto, tenho que saber tudo sobre o assunto.” Se não são as borboletas, são os cogumelos, dos quais conhece e identifica mais de trezentas espécies. Se não forem os cogumelos é a vertente de artesão e artista manual. “Eu não deito nada fora, consigo transformar tudo.”

Mas afinal, como é que se arranja tempo para todas estas atividades? “Eu não perco uma hora da minha vida, faço tudo”, afirma com sorriso estampado no resto. “Não me consigo ver num café, prefiro estar sentado num penedo uma tarde inteira.”

Alfredo Gomes Martins quer escrever um livro que conjugue as suas histórias, as suas fotografias e os seus desenhos. Um dia. “Tenho muita sorte na vida, porque consigo sempre aquilo que quero”, confessa. “Desde que se tenha sensibilidade e gosto pelo que se faz, tudo é possível.”

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